quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Os Anos 40 e a Resistência Matemática


1 - A geração de 70 contra o isolamento

Na noite de 27 de Maio de 1871, no Casino Lisbonense, Antero de Quental inaugurou um conjunto de conferências - as Conferências Democráticas do Casino - falando sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos. Começou assim ([15], p.255):

«A decadência dos povos do Península nos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história; pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de forças gloriosas e de rica originalidade, é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história aparece aos olhos do historiador filósofo

Dias antes, em 16 de Maio, Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga anunciaram a realização das conferências [[16], pp. 253 - 54). Depois de lembrarem que

«Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo»

proclamavam os objectivos das conferências, nomeadamente,

« (...)
- Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada.
(...)
- Estudar as condições das transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa.»

Assim as conferências visavam essencialmente romper o isolamento do povo português, tão deplorável desde meados do século XVI. Mas os governos autoritários ou ditatoriais, que quase sempre têm governado Portugal, opõem-se, com mais ou menos violência, a que se rompa tal isolamento e, em 26 de Junho de 1871, o Presidente do Conselho de Ministros proibiu a conferência que Salomão Sáragga ia realizar nesse dia e todas as seguintes, a pretexto de que nelas se expunham

«doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado.» ([18], p.198)


2 - A Inquisição e o isolamento

Um instrumento poderosíssimo para aumentar o isolamento português no século XVI foi a Inquisição, para cuja a instalação em Portugal, colaboraram estritamente a realeza, o alto - clero e a nobreza. As classes dominantes estavam interessadas no isolamento do povo português relativamente aos outros povos e de uns portugueses relativamente a outros portugueses, para matar à nascença qualquer movimento popular parecido com aquele que, em 1838, elevou o Mestre de Avis e Regedor e Defensor do Reino.

Em 1531, D. João III pediu licença ao papa para instalar a Inquisição em Portugal; em 1536, foi concedida a licença e, em 1541, realizou-se o primeiro auto de fé.
Violando ostensivamente o mandamento "Não matarás", os autos de fé, só até 1732, penitenciaram mais de 23000 pessoas e queimaram 1454, segundo conta Oliveira Martins ([10], 2º vol.,p.192). O número de assassinados não inclui os encarcerados mortos pelas torturas sofridas.

Que a Inquisição foi um instrumento ao serviço das classes dominantes é o que nos diz o historiador Jaime Cortesão, na obra "Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid" (vol.1, p. 98)

«A Inquisição e o fanatismo inquisitorial eram apenas um dos aspectos da perversão do espírito religioso e da subordinação da Igreja ao absolutismo do Estado. Sob os efeitos dissolventes do ouro, o Estado, a nobreza e o alto - clero haviam-se dado as mãos para impor a lei despótica dos seus interesses.»

As destruições causadas pelos inquisidores estão evocadas na mesma obra de Cortesão ([3], pp. 97 -98):

«Regiões ou vilas foram verdadeiramente devastadas, D. Luís da Cunha exclamava com angústia: "veja-se o que foram as províncias da Beira e Trás-os-Montes e, nelas, os lugares de Fundão e Covilhã, as cidades da Guarda, Bragança, etc., onde floresciam as manufacturas e o comércio, e o que agora são, depois que nelas entrou a Inquisição a prender e a destruir os seus moradores.»


3 - Agrava-se a decadência

O isolamento provocado pela Inquisição e o tipo de ensino praticado pela Companhia de Jesus provocaram um extraordinário atraso científico, cultural, moral e social. Garção Stockler no seu Ensaio Histórico sobre a origem e o progresso das Matemáticas em Portugal, publicado em 1819, escreveu (p. 151):

«É quse incrível a pressa com que as ciências retrogradaram em Portugal, desde que o senhor Rei Dom João III, com o piedoso fim de preservar a nação Portuguesa do contágio das inovações religiosas e princípios heréticos que infestavam o Norte da Europa, se determinou a adoptar no seu Reino instituições repressivas da livre comunicação das ideias.
Um tribunal supremo (...) foi encarregado não só de pesquisar e punir aqueles erros que, sendo meras alucinações do entendimento ou consequências inevitáveis da falta de uma virtude sobrenatural, eram, contudo, nos códigos daquele século, considerados como crimes enormes, mas também de impedir a publicação e entrega no Reino de todos os livros cuja leitura lhe parecesse perigosa

Relativamente à Companhia de Jesus, disse Stockler (p. 152):

«A instrução pública da mocidade foi encarregada a uma ordem regular de recente data (...).
Por estes dois meios reunidos, ganhou a Ordem sacerdotal o mais absoluto domínio sobre os espíritos dos Portugueses e adquiriu toda a facilidade de dar-lhe, não só aquela direcção que mais convinha aos interesses da Religião, mas a que mais acomodada fosse aos seus interesses.»

E mais adiante (p.156),

« ... e os ânimos dos homens já feitos (...), aterrados pela espada sempre desembainhada e pelos fachos sempre acesos da inquisição, sem se atreverem a examinar as produções científicas dos países situados além dos Pirineus, olhavam todas como frutos envenenados que, debaixo de uma doçura aparente, encobriam os princípios da destruição e da morte.»


4. Reflexos no ensino

As consequências desta orientação para o ensino foram naturalmente as mais lamentáveis.
Como A. H. Oliveira Marques ([9], vol II, p.131),

«Esta tentativa da Companhia de Jesus de dirigir a educação a todos os níveis não se processou, evidentemente, sem resistências várias. A Universidade de Coimbra contou-se entre os opositores. As demais ordens religiosas nomeadamente os Agostinhos e os Dominicanos, muito dados ao ensino e dispondo também de larga influência, reagiram com vigor, mas em vão (...) As Cortes de 1562 também protestaram contra o número e influência crescente dos jesuítas, elevando a voz contra a entrega do Col´gio das Artes à sua direcção.
Nada porém resultou, Jesuítas, Inquisição e Coroa estavam, ao tempo, fortemente unidos contra a heresia, o fermento cultural e todo e qualquer desvio da política do concílio de Trento. Através do País, grande número de professores sofreu perseguições de toda a ordem, muitos sendo encarcerados, condenados ou forçados a largar as suas cátedras.»

José Hermano Saraiva, na sua História Concisa de Portugal afirmou (p. 197):

«(...) os estudantes portugueses chegaram ao século XVIII a ter as sebentas que resumiam as ideias do princípio XVII. Por outro lado, o ensino que os jesuítas ministravam era um ensino empenhado. Era uma táctica de luta contra a heresia e contra o espírito da Reforma. Ora a Reforma nascera da liberdade mental, do direito que cada um se arrogara de pensar por si. Era isso que a pedagogia dos colégios queria evitar. O objectivo era enraizar dogmas em que sinceramente se acreditava, não o de provocar críticas, porque o resultado das críticas é sempre o fim dos dogmas. O ensino não foi, pois, um treino para pensar, mas um alicerce para crer. E deu resultado: porque os portugueses do século XVII creram muito e pensaram pouco.»

José d'Arriaga, na sua História da Revolução Portuguesa de 1820 (vol.I, p. 78), descreve a decadência nestes termos:

«A matemática, a astronomia, a física, a química, a geologia, a zoologia, finalmente, todas as ciências naturais foram soterradas na mais profunda ignorância pelos da seita negra, que as condenaram como inimigas da religião, e ciências perigosas. A verdadeira e sólida instrução foi posta de parte, com o pensamento reservado de se enfraquecerem as inteligências, e de aceitarem mais facilmente o jugo, tornando-se dóceis e submissas a tudo quanto lhes ensinaram.»


5 - Não se criou tradição de trabalho em Matemática

É claro que tal orientação do ensino prejudicou profundamente o estudo das ciências e, muito especialmente o estudo da Matemática. Alexandre Herculano, no trabalho Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres (Opúsculos, vol. VIII, p. 57), depois de descrever o «carácter predominantemente da instrução nacional» no século XV, concluiu:

«Não era, pois, entre nós, a matemática mais que uma enxertia, uma excepção ou antes uma aberração das tendências literárias da país, devida a causas estranhas ao carácter da organização social desta.»

De facto, chegou-se ao século XX, sem uma tradição de trabalho em Matemática.
Logo em 1290, quando D. Dinis fundou, em Lisboa, a Universidade que, após várias mudanças de Lisboa para Coimbra e de Coimbra para Lisboa, acabou por se fixar em Coimbra, as Ciências Matemáticas não foram incluídas no conjunto das matérias a serem ensinadas na Universidade!

Garção Stockler concluiu, depois das investigações que fez, que até 1503, ainda não tinha havido, na Universidade Portuguesa, nenhuma cadeira de Matemática, o que ele explica pelo facto de o conhecimento desta ciência não ser considerado necessário aos candidatos ao estado eclesiástico ([20], p. 91 - 92),

«único fim que os prelados do Reino se haviam proposto, quando ofereceram a El Rei os rendimentos das igrejas, que efectivamente serviram de dotação à dita Universalidade

Só em 1518, mais de duzentos anos após a fundação da Universidade, é que foi criada (por D. Manuel I) uma cadeira, não ainda de Matemática, mas vizinha da Matemática - uma cadeira de Astronomia.

O destacado matemático português, Pedro Nunes, ensinou Matemática na Universidade de Coimbra desde 1544 até 1562, ano em que se jubilou. Depois de 1562, houve um longo período em que não se ensinou Matemática; só em 1592 é que foi nomeado novo lente de Matemática, André de Avelar, autor de um "Repertório dos Tempos", publicado pela primeira vez em 1585.

Mas, em 20 de Março de 1620, André de Avelar foi preso pela Inquisição. Solto poucos dias depois, foi novamente preso em 17 de Outubro de 1621. Barbaramente submetido a tormentos, quando tinha quase oitenta anos, acabou por ser condenado a prisão perpétua.
Foram também perseguidos e presos pela Inquisição, seus dois filhos, Luis e Pedro, e suas quatro filhas, Ana, Violante, Mariana e Tomázia ([2], pp 121 -36).
A Universidade ficou novamente sem um único professor de Matemática e, durante largos períodos, assim aconteceu.

Quando o Marquês de Pombal quis fundar o Colégio dos Nobres (posteriormente criado por carta régia de 7 de Março de 1761), viu-se em sérias dificuldades, porque os conhecimentos das ciências exactas, que havia em Portugal, eram tão poucos que, como informa Pedro Jos´da Cunha ([§], p.36), foi necessário

«recorrer a professores estrangeiros para o ensino das Matemáticas. Foram eles João Ângelo Brunelli, professor de Bolonha, Miguel Ciera, matemático piemontês, e Miguel Franzini, geómetra veneziano

Referindo-se a Brunelli e Ciera, Stockler ([20], p. 66), escreveu:

« (...) por fortuna havia pouco que tinha voltado da América meridional, da demarcação dos limites das nossas possessões naquela parte do Mundo: expedição para a qual haviam sido chamados no princípio do seu reinado [de D. José] por não haver astrónomos nacionais, a quem ela se confiasse.»

Em suma, não tínhamos matemáticos nem astrónomos.
A Astronomia foi estudada em Portugal, pelas suas aplicações à Navegação e a Matemática foi estudada, pelas suas aplicações à Astronomia. Com a decadência da Navegação decaiu a Astronomia e, com a decadência da Astronomia, decaiu a Matemática.
Já é tempo de os governos do País entenderem que a Matemática precisa de ser estudada, não s´pelas inúmeras aplicações às outras ciências e às técnicas, mas também, e sobretudo, pelos seus próprios méritos. Ora, depois de Pedro Nunes, houve apenas um curto período, em que se estudou Matemática pelos seus próprios méritos - o período da reforma pombalina da Universidade de Coimbra.

Mas a Inquisição mais uma vez interveio, perseguindo, prendendo e condenando o melhor matemático português do século XVIII, o matemático de quem muito havia a esperar: José Anastácio da Cunha.

Razão tinha Gomes Teixeira, quando, referindo-se à Inquisição, escreveu ([21], p.199):

«Esta instituição, com os seus fanatismos, com as suas denúncias,com os seus roubos,com as suas prisões, comas suas torturas, com os seus autos de fé, com as suas fogueiras, foi uma mistura de tragédia dolorosa e de baixa comédia que, durante cerca de duzentos anos, perturbou em Portugal todas as actividades e com elas o progresso geral do país

Foi durante quase trezentos anos que o nosso País sofreu a Inquisição - desde 1536 até 5 de Abril de 1821 - dia em que foi formalmente suprimida pelas Coretes Constituintes, nascidas da Revolução de 1820.

No auto de fé de 11 de Outubro de 1778, foi lida a sentença que o condenou a três anos de reclusão, seguídos de cinco anos de deportação em Évora. Posteriormente, foi-lhe perdoada parte da pena, mas nunca lhe foram restituídos os bens roubados pela Inquisição nem nunca lhe foi consentido voltar a ensinar na Universidade.

Revoltado contra esta condenação, Gomes Teixeira ([23], p. 124) escreveu:

«Esta condenação é mais um exemplo a ajuntar às manifestações de um estreito espírito sectarista, religioso ou político, reaccionário ou radical, que em todos os tempos e sob as formas mais variadas, têm atingido e desonrado a Humanidade.»

Depois da morte de D. José e do afastamento da cena política imposto a Pombal, voltou a acentur-se a decadência. As três invasões francesas que o nosso País sofreu no princípio do século XIX, a ocupação inglesa que se lhes seguiu, a sangrenta guerra civil entre absolutistas e liberais, governos ditatoriais como os dos Cabrais e outros governos autoritários prejudicaram de tal maneira o trabalho científico que, no começo do século XX, precisamente em 1900, Gomes Teixeira, em carta publicada na revista "L'Enseignement Mathématique" (vol. 2, pp 218-9) dizia:

«En Portugal, il ne se passe guère d'événements qui sent de nature à intérésser les mathématiciens des autre pays.»

Em 1923, em conferências nas Faculdades de Ciências de Paris e Toulouse, Gomes Teixeira declarou que o número de trabalhos publicados em Portugal, no século XIX, é muito considerável, mas alguns não têm interesse e outros são puramente didácticos. Finalmente, na "História das Matemáticas em Portugal", publicada já depois da sua morte (Fevereiro de 1933), Gomes Teixeira afirma que a maior parte dos trabalhos matemáticos publicados em Portugal, no século XIX e começos do século XX, tem apenas interesse didáctico e

«entre os que não estão neste caso, há muitos que são erróneos ou simples imitação de trabalhos estrangeiros»


6 - Uma lufada de ar fresco

Em 1936, António Monteiro regressou a Lisboa, vindo de Paris, Bolseiro da Junta Nacional de Educação e, depois, do Instituto de Alta Cultura (IAC), doutorou-se no Institut Henri Poincaré, com a tese "Sur l'additivité des noyaux de Fredholm" sob a direcção de Maurice Fréchet.

Com o regresso de Monteiro, uma nova época se inicia para a actividade matemática portuguesa. Segundo Hugo Ribeiro ([17], p. v),

«Com uma outra excepção, a matemática (pura) não era cultivada em Portugal e, assim, as escolas superiores limitavam-se a preparar professores das escolas secundárias ou técnicos e cientistas que porventura a utilizariam. Foi nesta atmosfera enormemente agravada pela ditadura e pelas guerras, civil em Espanha e na Europa, que Monteiro, não participante do ensino oficial, fez entrar uma lufada de ar frseco, impulsionando decididamente a Matemática neste país.»

Ainda em 1936, juntamente com outros companheiros recém doutorados, Manuel Valadares, Marques da Silva, António da Silveira, Peres de Carvalho e outros, criou o Núcleo de Matemática, Física e Química, que promoveu a realização de vários cursos e conferências, no âmbito destas ciências.

Foi precisamente o Núcleo que, em 1937, convidou Ruy Luís Gomes a fazer, no Instituto Superior Técnico, um conjunto de conferências sobre Teoria da Relatividade, que foram publicadas na colecção do Núcleo, em 1938, sob o título Teoria da Relatividade Restrita".

O contacto então estabelecido com Monteiro constituiu um grande incentivo às actividades matemáticas que Ruy Luís Gomes iria desenvolver no Porto.


Em 1937, com a colaboração de Hugo Ribeiro, Silva Paulo, Zaluar Nunes e Ruy Lu´s Gomes, Monteiro fundou a ""Portugaliae Mathematica", revista dedicada exclusivamente à publicação de originais de Matemática e, com a colaboração de Bento Caraça, Silva Paulo, Hugo Ribeiro e Zaluar Nunes, em 1940 fundou a "Gazeta de Matemática", jornal dos concorrentes ao exame de aptidão e dos estudantes de Matemática das escolas superiores.

Em 1938, fundou o Seminário Matemático de Lisboa que, em 1939, tomou o nome de Seminário de Análise Geral, com o objectivo de, segundo as suas própri as palavras,

«iniciar um grupo de jovens no estudo das matemáticas modernas."

Entre os participantes deste Seminário, destacaram-se Hugo Ribeiro e José Sebastião e Silva (que mais tarde, ele considerou como o maior matemático português) ([6], p. 30).

Como resultado de uma proposta de Bento Caraça, Mira Fernandes e Beirão da Veiga, o Conselho Escolar do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras criou, em 1938, o Centro de Estudos Matemáticos Aplicados à Economia. Neste Centro, Zaluar Nunes regeu, em 1938-39, um curso de Cálculo das Probabilidades e Estatística Matemática; em 1939-40, Rinaldo Campião, Castanheira Nunes e outros realizaram colóquios sobre seguros e, em 1941 - 42, Sá da Costa iniciou um curso de Introdução à Economia Matemática Clássica, etc..

Em Fevereiro de 1940, Monteiro conseguiu que o IAC fundasse o Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa. Pedro José da Cunha presidiu às duas primeiras conferências do Centro; de Hugo Ribeiro, sobre "Objectivo da Topologia Geral" e de Monteiro, sobre "A Importância da Análise Geral". Conferências de Álgebra, Teoria dos Números, Topologia, Teoria da Medida, etc., foram feitas por Remy Freire, Morbey Rodrigues, Sebastião e Silva, Sá da Costa, Silva Paulo, Ramos de Castro, Virgílio Barroso, Ribeiro de Albuquerque, Mário de Alenquer, Veiga de Oliveira, Hugo Ribeiro, António Monteiro, Zaluar Nunes e outros.

No período 1940 -41, onze trabalhos de investigação, provenientes do Seminário de Análise Geral, foram publicados na Portugaliae Matehematica .

Em 12 de Dezembro de 1940, Monteiro e seus colaboradores fundavam a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), que logo à partida, contava com mais de 100 sócios; em Julho de 1947, tinha 331.

Entretanto, a Secção de matemática da Faculdade de Ciências do Porto, por iniciativa de Ruy Luís Gomes, promovia a realização de cursos livres e conferências, nomeadamente, por Almeida e Costa, António Monteiro, Bento Caraça, Manuel Valadares, Marques da Silva,Manuel Miranda, Neves real, Sarmento Beires e outros.

Sobre estes cursos e conferências, escreveu Ruy Luís Gomes ([7], pp.13-14):

«Por um lado, no plano científico, temos a intenção de facilitar aos estudiosos as técnicas e as vias de acesso aos problemas de maior actualidade, da Matemática e das suas aplicações. Por outro, desejamos integrar os problemas da Matemática np movimento geral da Ciência.
(...) Finalmente, num plano ético, desejamos criar um ambiente de trabalho, um "clima" e um estímulo como resultado da cooperação de todos numa tarefa que transcende o interesse imediato de cada um e traduz uma consciência colectiva: a de que pertencemos a uma Universidade.»

Comentando estas palavras, Monteiro escreveu ([11], p. 17):

«Palavras necessárias, num meio como o nosso, em que tantas vezes o interesse imediato de cada um se sobrepõe injustificadamente à realização das tarefas culturais mais urgentes e necessárias; num meio em que a indiferença (e, por vezes, a hostilidade aberta ou mal dissimulada) perante o trabalho de investigação científica constitui um método de acção retardadora do progresso cultural do país.»

Por iniciativa de Ruy Luís Gomes (exposição dirigida, em 11 de Outubro de 1941, ao Presidente do IAC, Porf. Celestino da Costa), foi criado em Fevereiro de 1942, o Centro de Estudos Matemáticos do Porto.

Do primeiro plano de trabalhos do Centro enviado ao IAC, constam os planos individuais de Neves Real, Manuel de Barros, Manuel Miranda, Almeida e Costa e Ruy Luís Gomes, contendo cada um o programa de um curso e o enunciado de um ou mais problemas de investigação. Consta também o programa de um curso a ser ministrado por Monteiro, "Funções de conjuntos e seus invariantes".

O plano de trabalho do Centro, no ano seguinte, inclui o plano de um novo trabalhador do Centro, Alfredo Pereira Gomes, que se propôs, além do mais, a redigir um curso a ser ministrado por Monteiro, "Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua". O curso foi publicado em 1944, como nº 8 da Colecção de Publicações do Centro. Foi amplamente utilizado (pelo menos, no Porto) por estudantes e licenciados, na década de 40, interessados em melhorar a sua preparação matemática.

Anexo ao Centro do Porto, criou-se o Seminário de Física Teórica.

Criou-se ainda, em Lisboa, uma Tipografia Matemática para compor a Portugaliae Mathematica, a Gazeta Matemática e outras publicações científicas, nomeadamente, a PortugaliaePhysica e a Gazeta de Física, que nasceram por influência das correspondentes revistas de Matemática.

Em 4 de Outubro de 1943, foi fundada a Junta de Investigação Matemática (JIM) por Mira Fernandes, António Monteiro e Ruy Luís Gomes, com os objectivos de promover o desenvolvimento da investigação científica, realizar trabalhos de investigação necessários à economia nacional e ao desenvolvimento das outras ciências, estabelecer relações com o movimento matemático dos países ibero-americanos e despertar o entusiasmo da juventude pela investigação matemática e a fé na sua capacidade criadora.

Apesar da hostilidade da ditadura salazarista, a luta contra o isolamento, a luta pela investigação e divulgação matemática prosseguia alegremente em todas as frentes!

Segundo António Monteiro ([12], p. 11),

«Quando os matemáticos portugueses, sem serem solicitados, sem serem forçados, mas animados do grande desejo de servir a Nação, fundaram a Junta de Investigação Matemática, disseram ao país: Para cunprir os nossos deveres, estamos presentes.».

No Porto, aos sábados à tarde, como resultado da colaboração da JIM e do Centro, passaram a realizar-se Colóquios de Análise Geral, com participação estudantil. Desses colóquios nasceu nova colecção de publicações, "Cadernos de Análise Geral" (os "Cadernos JIM").

A Jim promoveu a realização de palestras lidas ao microfone de um posto emissor Particular do Porto, Rádio Clube Lusitânia, cujo proprietário, Júlio Nogueira, colaborou, enquanto pôde, com a JIM. Essas palestras divulgavam a importância da investigação científica nos mais diversos campos e foram seus autores Ruy Luís Gomes, António Monteiro, branquinho do Oliveira, Fernando Pinto Loureiro, José Antunes Serra, António Júdice, Armando Castro, Carlos Teixeira, Flávio Martins e Corino de Andrade. As palestras foram publicadas pela JIM.

Como resultado da colaboração da SPM com a JIM, foram realizadas em Lisboa conferências por Ruy Çuís Gomes, Almeida Costa, Neves Real, Pereira Gomes e o então estudante Andrade Guimarães.

Como era natural, as instituições criadas contribuiram para melhorar a participação portuguesa em Congressos de Matemática.


7 - Investida salazarista contra a Universidade

A ditadura não assistia de braços cruzados à manifestação das actividades científicas e, especialmente, das actividades matemáticas.

Já tinha conseguido impedir que notável físico Guido Beck continuasse a orientar o Seminário de Física Teórica, anexo ao Centro de Matemática do Porto. a ditadura forçou Guido Beck a sair do Porto, fixando-lhe residência nas Caldas da Rainha, em 1943. Passado algum tempo, Guido beck conseguiu sair para a Argentina e foi trabalhar no Observatório de Córdoba e, posteriormente, foi para o Brasil para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

Correspondendo ao interesse manifestado pela SPM, por António Monteiro e colaboradores, para se formarem Clubes de Matemática, estudantes da faculdade de Letras de Lisboa formaram um Clube de Matemática. Outros Clubes se lhe seguiram: no Instituto Superior de Agronomia, no Instituto Superior Técnico, que começaram imediatamente a trabalhar, organizando Colóquios e Conferências de Matemática.

Quando surgiu o Clube de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto, a ditadura suprimiu todos os clubes existentes e a formação de novos clubes.

Os sinais de hostilidade governamental fora aí estavam crescendo.

Os "bons exemplos" do nazismo e do fascismo italiano aí estavam para serem seguídos ...

A Alemanha nazi tinha feito uma "limpeza exemplar" nas Universidades e em Outubro de 1939, 22 universidades alemãs estavam encerradas. A Itália fascista expulsou das Universidades professores prestigiados, entre os quais os matemáticos Guido Ascoli, Federico Enriques, Gino Fano, Guido Fubini, Arturo Horn, Beppo Levi, Levi-Civita, Arturo Maroni, Benjamino Segre, Alessandro Terracini ([13], p. 106)

A ditadura salazarista nos anos !945 a 1947, por processos diversos, afastou do ensino universitário ou impediu que nele entrassem: Bento Caraça, Azevedo Gomes, ruy Luís Gomes, Pulido Valente, Fernando Fonseca, Ferreira de Macedo, Peres de Carvalho, Dias Amado, Celestino da Costa, Cândido de Oliveira, Adelino da Costa, Cascão de Anciães, Mário Silva, Torre de Assunção, Flávio Resende, Zaluar Nunes, Remy Freire, Crabée Rocha, Manuel Valadares, Marques da Silva, Armando Gibert, Lopes Raimundo, Laureano Barros, José Morgado, Morbey Rodrigues, Pereira Gomes, Sá da Costa, Virgílio Barroso, Jorge Delgado, Hugo Ribeiro, António Monteiro, Soares David, António Santos Soares e outros.

Nos outros graus de ensino, houve também professores afastados do ensino e licenciados impedidos de se profissionalizarem, por simples informação da PIDE.

as actividades da SPM não foram expressamente proibidas, mas foram proibidas em todas as dependências do chamado Ministério da Educação Nacional. Quando o matemático espanhol German Ancochea esteve em Lisboa, para fazer uma conferência sobre Geometria Algébrica, o único lugar que conseguimos para a realização da conferência foi o restaurante onde convidámos para almoçar, o English Bar.

O Seminário de Matemática que era realizado no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa, teve de funcionar numa dependência da casa de Hugo Ribeiro, no Murtal, que passámos a chamar Universidade do Murtal.

No Porto, o Seminário de Matemática foi transferido para a casa de Neves Real, na Rua do Almada, que passou a ser conhecida como a Universidade da Rua do Almada.

António Monteiro, Hugo Ribeiro, Ruy Luís Gomes, Pereira Gomes, Zaluar Nunes, José Morgado, Remy Freire e outros, após várias perseguições pela PIDE, viram-se obrigados a exilar-se, para poderem continuar a exercer a profissão. Jorge Delgado, Soares David, Sá da Costa, Morbey Rodrigues, Marques da Silva, Marques da Silva, e outros viram-se obrigados a mudar de profissão.

Laureano Barros, Ferreira de Macedo e outros, impedidos de continuarem como docentes universitários, passaram a ensinar estudantes universitários, como explicadores.

No entanto, a Resistência Matemática não foi vencida!

A Portugaliae Mathematica, a Gazeta de Matemática, a Tipografia Matemática, graças à dedicação de Zaluar Nunes e, após o seu falecimento, graças a Gaspar Teixeira, resistiram ao vandalismo governamental, até depois da Revolução dos Cravos.

A Portugaliae Mathematica, actualmente dirigida por Pereira Gomes e uma boa equipa, melhorou consideravelmente.

A actividade matemática no país é agora muito maior que no tempo da ditadura.

Em Lisboa, a actividade matemática, depois da investida de 1945-47, continuou em de Sebastião e Silva e, no Porto, graças aos esforços de Sarmento Beires, Arala Chaves, Coimbra de Matos e nos últimos anos, graças aos esforços de Falcão Moreira e seus companheiros na Direcção do Centro, recuperou-se o Centro de Matemática.

Quaisquer que sejam as dificuldades a vencer, a Resistência Matemática não desanimará.

A lição de António Monteiro, Ruy Luís Gomes, Hugo Ribeiro e Sebastião e Silva não foi esquecida.


BIBLIOGRAFIA

1. ARRIAGA, JOSÉ D': "História da Revolução Portuguesa de 1820", Livraria Portuense, Porto, 1886.

2. BAIÃO, ANTÓNIO: "Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa", 3ª ed.., Seara Nova, Lisboa, 1972.

3. CORTESÃO, JAIME: "Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid I", Livros Horizonte, Lisboa, 1984.

4. CUNHA, PEDRO JOSÉ da: "Bosquejo histórico das matemáticas em Portugal", Exposição Portuguesa em Sevilha, Lisboa, 1929.

5. GODINHO, VITORINO MAGALHÃES: "Do ofício e da cidadania. Combates por uma civilização da dignidade", Edições Távola Redonda, Lisboa 1989.

6. GOMES, RUY LUÍS: "Tentativas feitas nos anos 40 para criar no Porto uma escola de Matemática" Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, 6 (1938) pp. 29-48.

7. GOMES, RUY LUÍS: "Sobre o objectivo do curso promovido pela Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto", Gazeta de Matemática, 9 (1942) pp. 13-14

8. HERCULANO, ALEXANDRE: "Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres", incluído no tomo VII de "Opúsculos", pp. 27-94, 3ª ed. Livraria Bertrand, Lisboa.

9. MARQUES, A. H. OLIVEIRA: "História de Portugal", Palas Editores, Lisboa

10. MARTINS, J. P. OLIVEIRA: "História de Portugal" 11ª ed. Parceria António Maria Pereira, Lisboa 1927.

11. MONTEIRO, ANTÓNIO: "Centro de Estudos Matemáticos do Porto", Gazeta de Matemática, 10 (1942), pp. 27

12. MONTEIRO, ANTÓNIO: "Os Objectivos da Junta de Investigação Matemática", 21, pp. 10-11

13. MORGADO, JOSÉ: "O Professor Ruy Luís Gomes e o Movimento Matemático Português", Anais da Faculdade de Ciências do Porto, 67 (1986), pp. 97-151.

14. MORGADO, JOSÉ: "Para a História da Sociedade Portuguesa de Matemática", 1990, Conferência feita no cinquentenário da SPM, em Lisboa (não publicado)

15. QUENTAL, ANTERO DE: "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares" texto incluído em "Prosas Sócio-Políticas", pp. 255-296, publicadas e apresentadas por Joel Serrão, Colecção Pensamento Português, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1982.

16. QUENTAL, ANTERO DE, e outros: "Conferências Democráticas Estabelecidas na Sala do Casino", texto incluído em "Prosas Sócio- Políticas", pp. 253-254, publicadas e apresentadas por Joel Serrão, Colecção Pensamento Português, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1982.

17. RIBEIRO, HUGO: "Actuação de António Aniceto Monteiro em Lisboa entre 1939 e 1942", Portugaliae Mathematica, 39 (1980) pp. V-VII.

18. SÁ, VICTOR DE: "Antero de Quental", Colecção Limiar/Ensaio, Editora Limiar, Porto, 1982.

19. SARAIVA, JOSÉ HERMANO: "História Concisa de Portugal"Colecção Saber, Publicações Europa-América, Mira-Sintra, Mem Martins, 1978.

20. STOCKLER FRANCISCO DE BORJA GARÇÃO: "Ensaio Histórico sobre a Origem e Progresso das Matemáticas em Portugal", Paris, 1819.

21. TEIXEIRA, FRANCISCO GOMES: "História das Matemáticas em Portugal", Biblioteca de Altos Estudos, Lisboa, 1934.

22. TEIXEIRA, FRANCISCO GOMES: Uma carta publicada na revista "L'Enseignement Mathématique", 2 (1900), pp. 218-19.


23. TEIXEIRA, FRANCISCO GOMES: "Elogio Histórico do Doutor José Anastácio da Cunha", incluído em "Panegíricos e Conferências", pp. 121-153, Academia das Ciências de Lisboa, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1925.


José Morgado