quarta-feira, 28 de maio de 2008

Os Povos Unidos Podem Ganhar a Paz

OS POVOS UNIDOS PODEM GANHAR A PAZ!

Amigos e Companheiros

O 40º aniversário da grande vitória das forças democráticas sobre o nazi-fascismo tem sido comemorado em todo o mundo, muito especialmente nos países que mais sofreram com a guerra, nos países onde é mais forte o movimento de opinião em defesa da paz.

No nosso país, tais comemorações têm revestido as mais diversas formas: concentrações, desfiles, jantares de confraternização, recitais, exibições de filmes, etc. Esta reunião em que tenho o prazer de participar, promovida pelos defensores da paz de Vila da Feira, constitui mais uma prova clara de que também aqui se está disposto a lutar pela paz entre os povos.

Nós, portugueses, se bem que não tivéssemos participado directamente nas operações militares da 2ª Grande Guerra, sofremos também muitas das suas consequências, consequências que foram agravadas pela circunstância de o poder, no nosso país, ser exercido por um governo fascista, fortemente comprometido na destruição criminosa e sangrenta da República Espanhola e na instalação de um governo fascista no país vizinho.

Durante dezenas de anos, vivemos como se o solo da nossa Pátria estivesse sob ocupação estrangeira, sem, no entanto, podermos tratar como ocupantes estrangeiros, aqueles que então detinham o poder.

Tal como aconteceu com os povos que, durante a 2ª a Grande Guerra, viveram sob a ocupação fascista, também nós não tínhamos liberdade para discutir publicamente os problemas nacionais, era-nos negado o direito de escolher os governantes, era-nos negado o direito de escolher os governantes, éramos perseguidos por nos manifestarmos a favor da realização de eleições livres, éramos, quantas vezes lançados para os cárceres fascistas, por soltar um simples “Viva a República!”, por ouvir uma estação de rádio antifascista, por protestarmos contra a censura à imprensa, por afirmarmos publicamente a nossa solidariedade aos patriotas que lutavam pelas liberdades democráticas, por reclamarmos a extinção do campo de concentração do Tarrafal, por nos manifestarmos a favor da amnistia aos presos políticos. Éramos presos, processados, julgados e condenados, nos tribunais fascistas, por defendermos a autodeterminação dos povos, por, de alguma forma, nos manifestarmos a favor da paz.

Houve quem fosse condenado em medidas de segurança, com internamentos por períodos de 1 a 3 anos, simplesmente por ter escrito numa parede a palavra “paz”.

Um dos mais destacados dirigentes do Movimento da Paz, Silas Cerqueira, foi preso, pelo simples facto de colocar um ramo de flores no monumento aos mortos da 1ª Guerra Mundial, na Avenida da Liberdade, em Lisboa.

Houve quem fosse violentamente agredido pela pide e por forças militarizadas, por cantar publicamente, em grupo, o Hino Nacional.

Esta situação, para nós, portugueses, não acabou quando acabou a 2ª Grande Guerra. Esta situação prolongou-se ainda por 29 anos após o termo da guerra, prolongou-se até à alvorada libertadora do 25 de Abril, quando os gloriosos Capitães de Abril e o Povo Português escorraçaram o fascismo do poder.

Por tudo isto, e ainda porque os governos fascistas de Salazar e Caetano, ao serviço do capital monopolista, nos envolveram em longas guerras coloniais em África, nós, portugueses, sentimo-nos solidários com os povos africanos em luta pela sua independência, sentimo-nos irmanados com todos os povos vítimas da guerra. Comemoramos a derrota da Alemanha nazi, já que essa derrota é uma vitória de todos os perseguidos pelo fascismo, é também uma vitória nossa, é uma vitória dos partidários da paz.

Amigos!

Permitam-me que lhes recorde o que podemos chamar trágico balanço do crime fascista que consistiu em provocar e desencadear a 2ª Grande Guerra: foram 50 milhões de mortos, cabendo 20 milhões à União Soviética, mais de 6 milhões à polónia, mais de 6 milhões à Alemanha, 1 milhão e 700 000 à Jugoslávia, 600 000 à França, 400 000 aos Estados Unidos da América, 375 000 à Grã-Bretanha. Foram 11 milhões de mortos nos campos de concentração, nas prisões fascistas e noutros locais de extermínio.

Durante os 12 anos que os fascistas ocuparam o poder na Alemanha, dos 300 000 membros do Partido Comunista Alemão, foram assassinados cerca de 30 000; cerca de 150 mil foram presos, perseguidos ou forçados à emigração.

Estes números dão-nos uma ideia do que a guerra significou no que se refere à perda de vidas humanas na Europa.

Foi certamente com o propósito de evitar que pudesse eclodir nova guerra na Europa, que na conferência de dirigentes dês três grandes potências aliadas – Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e União Soviética – celebrada, na Crimeia, de 4 a 12 de Fevereiro de 1945, resolveram publicar a seguinte informação:

«É nossa vontade inabalável destruir o militarismo alemão e o nacional-socialismo, actuando para que a Alemanha nunca mais seja capaz de perturbar a paz mundial. Estamos a desarmar e dissolver todas as forças armadas alemãs; a destruir uma vez por todas o Estado-Maior general alemão que repetidas vezes restabeleceu o militarismo alemão; a neutralizar ou destruir todas as instalações militares alemãs; a eliminar ou pôr sob controlo toda a indústria alemã que possa eventualmente ser utilizada para produção militar; a apresentar os criminosos de guerra ao tribunal e castigá-los, promovendo ao mesmo tempo a reparação de todos os danos causados pelo alemães, a abolir o partido nacional-socialista, as leis, as organizações e instituições nacional socialistas, eliminando das repartições públicas, assim como da vida cultural e económica da nação, todas as influências nacional-socialistas e militaristas e ordenando a tomada de medidas necessárias para a paz futura e a segurança mundial.»

E acrescentava ainda a informação então publicada:

«Não temos a intenção de aniquilar o povo alemão, mas só quando o nacional-socialismo e o militarismo forem extirpados, existirá para os alemães a esperança de umavida digna e de um lugar no seio da comunidade dos povos.»

Muitas outras resoluções de grande importância para a derrota do nazismo e ocupação da Alemanha após a sua rendição incondicional, foram tomadas na Conferência da Crimeia. Em Julho – Agosto do mesmo ano de 1945, na Conferência de Potsdam, os dirigentes das três grandes potências publicaram a seguinte informação:

«Este acordo tem como finalidade promover a realização da declaração da Crimeia, na Alemanha. O militarismo e o nazismo alemães são extirpados, tomando os aliados as medidas conjuntas que se revelarem necessárias para que a Alemanha nunca mais possa ameaçar a manutenção da paz mundial.

Os aliados não têm a intenção de exterminar ou escravizar o povo alemão. Os aliados querem dar à nação alemã a possibilidade de se preparar para a reconstrução da sua vida numa base democrática e pacífica. Se os próprios esforços do povo alemão forem dirigidos inabalavelmente neste fim, ser-lhe-á possível ocupar, na devida altura, o lugar a que tem direito entre os povos livres e pacíficos do mundo.»

Apesar das resoluções tomadas, na Conferência da Crimeia e na Conferência de Potsdam, para exterminar o nazismo e o militarismo alemão, evidenciada pela rendição incondicional da Alemanha nazi, não é verdade que o militarismo alemão tenha sido definitivamente exterminado. O militarismo actual é produto das sociedades onde impera a ideia de lucro, onde ainda não foi eliminada a exploração do homem pelo homem. A iniciativa do governo dos Estados Unidos de patrocinar a formação do Pacto do Atlântico e a entrada da Alemanha Ocidental para esse Pacto, a protecção dispensada a criminosos nazis, o aproveitamento de quadros nazis para postos de comando na organização das forças armadas, a manutenção de focos de militarismo, os incentivos ao rearmamento geral e, es especial, ao rearmamento da Alemanha Ocidental (onde não cumpridas as resoluções relativas à desnazificação), constituem grosseiras violações dos acordos da Crimeia e de Potsdam, grosseiras violações de compromissos livremente assumidos. Tais violações lançam a inquietação em todo o mundo e forçam outros países a rearmar-se também, a fim de se defenderem de ma eventual agressão, queimando, no fabrico e aquisição de armas, verbas astronómicas, que deviam ser destinadas à solução dos problemas da fome, da educação, da saúde, ao problema da elevação do nível de vida de tantos milhões de seres humanos.

A corrida aos armamentos e, em especial, à produção de armas nucleares, confrontada com os 50 milhões de vidas humanas perdidas durante a última Grande Guerra, confrontada com os milhões e milhões de seres humanos que, sobretudo na África, na Ásia e na América Latina, morrem ou correm o risco de morrer de fome, constitui um crime contra humanidade. O único governo que, até hoje, teve a crueldade de usar armas atómicas contra seres humanos foi, como se sabe, o governo dos Estados Unidos, que em 6 de Agosto de 1945, ordenou o lançamento de uma bomba atómica contra o povo de Hiroxima e, no dia 11 de Agosto, ordenou o lançamento de outra bomba atómica contra o povo de Nagasáqui. Estas duas bombas atómicas provocaram um total de cerca 130 000 mortos e 70 000 feridos, além de destruições sem conta.

Ora, as armas nucleares que actualmente são fabricadas, pelo que respeita à capacidade de destruição, deixam a perder de vista as bombas atómicas contra o povo de Hiroxima e contra o povo de Nagasáqui.

A corrida aos armamentos fomenta naturalmente o militarismo.

O militarismo actualmente, produto das sociedades onde impera o lucro, é, por natureza, profundamente reaccionário e tende a dominar as actividades essenciais dessas mesmas sociedades, sendo, por isso mesmo, uma ameaça muito grave para toda a humanidade.

Assiste-se, desde há alguns anos, à militarização da ciência no campo do imperialismo. Não é por necessidades científicas, por necessidades decorrentes do próprio desenvolvimento científico, ou mesmo técnico, que se procede à militarização da ciência. Procede-se à militarização da ciência, para orientar as descobertas científicas no sentido da produção de armas cada vez mais destruidoras de vidas humanas e dos bens que os homens criaram com o seu trabalho. Colocar a ciência ao serviço da destruição e da morte, e não ao seviço da vida e do bem-estar da humanidade, é uma perversão da ciência, contra a qual os trabalhadores, em todo o mundo, não podem deixar de elevar o seu protesto e unir os seus esforços.

Na preparação da 2ª Grande Guerra, os nazis procuraram criar, nos soldados alemães, sentimentos de crueldade, de insensibilidade em face do sofrimento dos outros. Numa das instruções difundidas entre os soldados nazis em guerra na União Soviética, recomendava-se o seguinte:

«Tu não tens coração nem nervos; eles são inúteis para a guerra. Suprime em ti toda a piedade e toda a compaixão; mata todos os russos, todos os soviéticos; não poupes nem velho, nem mulher, nem rapariga, nem rapaz; mata, tu evitarás assim a morte, tu assegurarás o futuro da tua família e tu te cobrirás de glória para sempre.»

As aberrações como esta, sob o aspecto educativo, conduziu o militarismo nazi!

O militarismo actual não conduz a aberrações menores. Ainda há poucos anos, o assessor, para questões de segurança, do então presidente dos Estados Unidos da América, o secretário Brzezinski, declarou tranquilamente que, no caso de se desencadear uma guerra atómica mundial, seriam exterminados «apenas dez por cento» da população da Terra. Quer dizer, na opinião de Brzezinski, uma guerra atómica mundial «apenas» mataria algo como 400 milhões de pessoas, isto é, mais de oito vezes mais que a totalidade dos mortos da 2ª Grande Guerra Mundial!

A aberração de Brzezinski, embora mostre até que ponto vai a sua insensibilidade em face da hipótese de uma guerra atómica mundial, fica no entanto, aquém da realidade no que respeita à perda de vidas humanas, porque os arsenais nucleares existentes são suficientes para destruir toda a vida na Terra!

Por isso, defender a paz é defender a vida e defender a vida é defender a paz!

Precisamos de ter sempre presente que, numa sociedade em que impera a ideia do lucro, numa sociedade governada pelo capital monopolista, numa sociedade de consumo, as armas produzidas destinam-se a serem usadas e substituídas por outras armas, a fim de cumprirem a função de dar lucro aos fabricantes e negociantes de armas. Não é verdade aquilo que os governos comprometidos na corrida aos armamentos dizem aos povos: que as armas produzidas não são para serem usadas …

As armas produzidas, que ainda não foram usadas, poderão vir a sê-lo, se a luta popular contra a guerra não impedir os fabricantes e negociantes de armas, ao serviço do capital monopolista, de desencadear aquela que seria a mais sangrenta das guerras.

Os povos unidos podem ganhar a paz!

Se a luta popular contra a guerra não conseguiu evitar as guerras empreendidas pelo imperialismo e pelo colonialismo na Coreia, no Vietnam, nas antigas colónias africanas e noutros lugares do globo, a verdade é que a luta dos povos contra a guerra conseguiu que, durante os últimos 40 anos se evitasse a eclosão de uma guerra na Europa, conseguiu que não fossem usadas armas atómicas nas guerras que não conseguiu evitar, conseguiu manifestar a sua solidariedade activa com os povos vítimas de agressão e, desta forma, contribuiu para fortalecer a resistência dos agredidos e para a derrota dos agressores.

A 2ª Grande Guerra mostrou que, apesar de todas as dificuldades surgidas entre as potências aliadas – Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha e União Soviética – foi possível estabelecer uma colaboração activa e eficaz, que conduziu à rendição incondicional do inimigo comum; Mostrou que é possível estabelecer uma colaboração activa e eficaz entre Estados muito diferentes no diz respeito à sua organização político-social, à sua ideologia, aos seus costumes e tradições e que tal colaboração impôs aos agressores clamorosa derrota!

Por isso mesmo, com toda a convicção afirmamos que

OS POVOS UNIDOS PODEM GANHAR A PAZ!

Aqui formulamos os nossos melhores votos de que tenham pleno êxito as negociações entre os Estados Unidos e a União Soviética, no interesse da paz e da cooperação entre os povos.

Reclamamos contra a produção de armas nucleares!

Exigimos que sejam tomadas medidas conducentes ao desarmamento geral e fiscalizado!

Entretanto, afirmamos a nossa inteira solidariedade com o heróico povo da Nicarágua e com todos os outros povos ameaçados de agressão!

VIVA A PAZ E A COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS!

Lourosa – Vila da Feira

22 – 6 – 1985

José Morgado