quarta-feira, 30 de abril de 2008
quinta-feira, 24 de abril de 2008
terça-feira, 22 de abril de 2008
terça-feira, 15 de abril de 2008
Bento Caraça - Militante da Cultura, Militante da liberdade
Bento de Jesus Caraça
Militante da Cultura, Militante da Liberdade
Julgo que é uma acto de justiça uma Escola portuguesa prestar homenagem à memória do grande educador que foi o Professor Bento de Jesus Caraça. Uma escola Secundária, cujo patrono é Oliveira Martins, encara certamente com uma atenção especial a prestação de um tal acto de Justiça; porque, na vida de Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845 – 1894) en na vida de Bento de Jesus Caraça (1901 -1948), há alguns aspectos importantes que são comuns.
Na verdade, ambos tiveram que enfrentar e vencer grandes dificuldades económicas para se cultivarem, tiveram de se empregar mito cedo para sobreviverem. Oliveira Martins teve de abandonar os estudos oficiais que frequentava com vista alcançar um diploma em Engenharia Militar, em consequência do falecimento do seu pai, vitimado pela epidemia de febre-amarela (1857) e da falta de recursos de sua mãe; tornou-se empregado comercial com cerca de 15 anos de idade. Bento Caraça, filho de trabalhadores rurais, teve de começar muito cedo a exercer funções docentes para custear os seus estudos: primeiro como explicador; depois, tendo apenas 18 anos de idade, como 2º assistente do 1º grupo de cadeiras (Matemáticas Superiores – Álgebra Superior; Princípios de Análise Infinitesimal, Geometria Analítica) do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, actualmente Instituto Superior de Economia e Gestão.
Um e outro, dotados de invulgar inteligência, de grande força de vontade e sede de cultura, foram essencialmente autodidactas. Um e outro souberam vencer as limitações do autodidactismo, pela convivência com os trabalhadores intelectuais mais activos do seu tempo, mais preocupados em acabar com o isolamento desde há tanto tempo imposto ao nosso País pelas classes economicamente dominantes; isolamento, portugueses.
*
Lembrar que Oliveira Martins fez parte da comissão promotora das célebres Conferências Democráticas que tiveram lugar em 1871 no Casino Lisbonense e, por isso, ficaram sendo conhecidas como Conferências Democráticas do Casino, juntamente com Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga, Teófilo Bragae Antero de Quental.
Essas conferências «sobre matérias políticas e sociais» proclamavam no seu programas, datado de 1871:
«Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.
- Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
- Ligar Portugal com o movimento moderno fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;
- Procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
- Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
-Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa.
Tal é o fim das conferências democráticas.
A primeira Conferência teve lugar a 27 de Maio de 1871 e coube a Antero de Quental realizá-la. Deu-lhe o título “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos Três Séculos” e começa assim:
«A decadência dos povos da península nos últimos três séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história: pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de força gloriosa e de rica originalidade, é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história oferece aos olhos do historiador filósofo.»
E mais adiante, Antero declarou:
«Durante 200 anos de fecunda elaboração, reforma a Europa culta as ciências antigas, cria seis ou sete ciências novas, a anatomia, a fisiologia, a química, a mecânica celeste, o cálculo diferencial, a crítica histórica, a geologia, aparecem os Newton, os Descartes, os Bacon, os Leibniz, os Harvey, os Buffon, os Ducange os Lavoisier, os Vico – onde está, entre os nomes destes e dos outros verdadeiros heróis da epopeia do pensamento, um nome espanhol ou português? Que nome espanhol ou português a liga à descoberta duma grande lei científica, dum sistema, dum facto capital? A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência; foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos.
(…) Pelo caminho da ignorância, da opressão e da miséria chega-se naturalmente, chega-se fatalmente à depravação dos costumes. E os costumes depravaram-se com efeito.
(…) Tais temos sido nos últimos três séculos: sem vida, sem liberdade, sem riqueza, sem ciência, sem invenção, sem costumes.»
Das várias conferências programadas, apenas se realizaram quatro. Além da realizada por Antero, tiveram lugar as seguintes: A Literatura Portuguesa Contemporânea, por Augusto Soromenho; O Realismo como Expressão de Arte, por Eça de Queirós; A Questão do Ensino, por Adolfo Coelho. Quando ia realizar-se a 5ª conferência, intitulada Os Historiadores Críticos de Jesus, por Salomão Sáragga, as pessoas que iam assistir encontraram as portas do casino fechadas e nelas estava afixada uma portaria do Presidente do Ministério, António José d’ Ávila, Marquês d’ Ávila e Bolama, datada desse mesmo dia, proibindo não só essa conferência, mas tosas as seguintes.
Às classes dominantes não convinha esta tentativa de alguns dos mais destacados intelectuais portugueses daquela época, para acabar com o isolamento do País.
A concorrência às conferências era notável: homens de letras, políticos de prestígio e alguns grupos de operários assistiram com muito agrado. As classes dominantes viam nas conferências um perigo para os seus interesses e, como eram dominantes, impuseram a sua vontade, acabando com as Conferências.
As Conferências Democráticas do Casino constituíram um belo exemplo da luta contra o isolamento, da luta pelas liberdades democráticas. Não foi totalmente vitorioso, mas também não foi uma tentativa fracassada. Ainda hoje, ao ler-se a Conferência de Antero de Quental e ao lembrar algumas lutas pelas liberdades democráticas no nosso País, não podemos deixar de sentir uma grande emoção.
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Bento Caraça foi, não só um grande educador, mas também um grande lutador contra o isolamento científico, cultural e social que as classes dominantes têm imposto ao povo português; foi um grande lutador pelas liberdades democráticas.
A influência negativa do isolamento no atraso científico português foi posta em relevo pelo grande matemático português Gomes Teixeira, primeiro Reitor da Universidade do Porto. De facto, no “Elogio Histórico de Daniel Augusto da Silva”, contido em “Panegíricos e Conferências”, lido na Academia de Ciências de Lisboa, em 2 de Junho de 1918, Gomes Teixeira declarava:
«Não há nada mais prejudicial para a ciência de um povo, que o seu isolamento no meio da ciência dos outros povos. Este isolamento foi quase completo em Portugal na maior parte do século XIX e o motivo principal estava no desconhecimento da nossa língua nos meios científicos estrangeiros.»
O isolamento já existia muito antes do século XIX. Assim, Pedro José da Cunha, que veio a ser o Presidente da 1ª Direcção da Sociedade Portuguesa de Matemática, escreveu no seu trabalho “Bosquejo Histórico das Matemáticas em Portugal”
«… enquanto os nossos matemáticos se viam assim isolados dos meios científicos de além – Pirenéus, as descobertas neste ramo das ciências sucediam-se lá fora, qual delas a mais brilhante. Viète criava a álgebra moderna, que recebia logo dos seus continuadores apreciáveis aperfeiçoamentos; Descartes, inventando a geometria analítica, renovava a geometria; Newton e Leibniz, por métodos idênticos na essência, mas diferentes na forma, lançavam os fundamentos da análise infinitesimal, que os irmãos Bernoulli consolidavam, adaptando a concepção de Leibniz; Nepier descobria os logaritmos; Fermat imprimia um avanço considerável à teoria dos números; Pascoal fundava o Cálculo das Probabilidades; abriam-se, numa palavra, em todos os ramos das matemáticas admiráveis horizontes, tão vastos como inesperados. E os geómetras que neste período de decadência, apesar de tudo, não deixámos de contar em Portugal, forçados a alhearem-se deste extraordinários movimento de renovação das ideias, só produziram obras mais ou menos antiquadas, de carácter quase exclusivamente didáctico, que em nada podiam contribuir para os progressos da ciência.»
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Contribuiu para aumentar e manter o isolamento português com respeito à Europa e o isolamento dos portugueses com respeito a outros portugueses, a permanência da Inquisição em Portugal durante quase três séculos.
Foi em 1531 que D. João III pediu ao papa licença para instalar a Inquisição em Portugal. Em 1536 foi concedida tal licença e, em 1541, realizou-se o primeiro ato de fé. Segundo informa Oliveira Martins, no 2º volume da sua História de Portugal, pp. 191 – 192, até 1732, os autos de fé tinham penitenciado mais de 23000 pessoas e tinham queimado 1454, sendo, no entanto, desconhecido o número daqueles que morreram nos cárceres da Inquisição, vitimados pelas torturas tão habituais e tão refinadas. O número 1454 não inclui os que morreram em consequência das torturas…
O historiador Jaime Cortesão põe em relevo o facto de a Inquisição estar ao serviço das classes dominantes, quando afirma, na sua obra “Alexandre Cortesão e o Tratado de Madrid” (vol. I, p. 98):
«A Inquisição e o fanatismo inquisitorial eram apenas um dos aspectos da perversão do espírito religioso e da subordinação da Igreja ao absolutismo do Estado. Sob os efeitos dissolventes do ouro, o Estado, a nobreza e o alto clero haviam-se dado as mãos para impor a lei despótica dos seus interesses. Quebrada a velha mola da resistência organizada das classes populares – a burguesia e os mesteres – que outrora erguiam com vigor a voz nas cortes, o regime tendeu para uma espécie de despotismo teocrático, de forma exterior asiática que pesava, com aparato esplêndido, sobre os súbditos.
Mas entre o Rei, o alto – clero e a nobreza, existia a consciência da solidariedade dos interesses comuns.»
No seu livro “História Concisa de Portugal”, José Hermano Saraiva salienta:
«(…)As fogueiras são, de entre as várias formas assumidas pela actividade inquisitorial, o que, pela sua publicidade espectacular, se tornou mais célebre e o que ainda hoje causa o maior horror. Mas houve outros aspectos menos visíveis, mas de consequências não menos graves.
Denunciar um delito contra a fé era considerado um dever religioso (…); a denúncia deixou de ser uma vileza odiosa e sórdida e foi proclamada como piedosa virtude.
(…) Foi a operação policial de maior duração e de maior envergadura que a história regista e, durante ela, toda a gente viveu entre o dever de denunciar e oterror de ser denunciado.»
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Outro factor que influiu grandemente na manutenção do nosso atraso científico e cultural foi o facto de, a partir de certa altura, o ensino em Portugal ser praticamente dominado pela Companhia de Jesus. Por D. João III, foi entregue aos Jesuítas o ensino primário e secundário. Vinte e cinco anos depois de a Companhia de Jesus ter sido introduzida em Portugal, havia colégios jesuítas espalhados por todo o País. O colégio de Évora foi transformado em Universidade pelos Jesuítas, iniciando desta forma o seu domínio do ensino superior.
Em 1555, D. João III entregou-lhes o mais famoso de todos os colégios humanistas portugueses, o Colégio Real, também chamado Colégio das Artes e Humanidades, fundado por ele mesmo em 1547.
A Inquisição atacou o Colégio, receando que ele se transformasse num centro de livre pensamento. Alguns professores foram detidos em 1550, entre os quais o humanista, poeta, historiador e pedagogo português Diogo de Teive [?], que tinha ensinado em instituições estrangeiras.
Como escreveu Oliveira Marques no 2º volume da sua História de Portugal (p.131),
«Esta tentativa da Companhia de Jesus de dirigir a educação a todos níveis não se processou, evidentemente, sem resistências várias. A Universidade de Coimbra contou-se entre os opositores. As demais ordens religiosas, nomeadamente os Agostinhos e os Dominicanos, muito dados ao ensino e dispondo também de larga influência, reagiram com vigor, mas em vão. (…) As Cortes de 1562 também protestaram contra o número e influência crescente dos Jesuítas, elevando a voz contra a entrega do Colégio das Artes à sua direcção.
Nada, porém, resultou, Jesuítas, Inquisição e Coroa estavam, ao tempo, fortemente unidos contra a heresia, o fermento cultural e todo e qualquer desvio da política do Concílio de Trento. Através do País, grande número de professores sofreu perseguições de toda a ordem, sendo encarcerados, condenados ou forçados a largar as suas cátedras. (…) Universidades e Colégios entraram em fase de quase estagnação (…). O ensino oficial mostrou-se dificilmente permeável a qualquer progresso científico, rejeitando o avanço cultural que se ia verificando lá por fora e oferecendo um exemplo centenário de dogmatismo e inutilidade.»
Na “História da Revolução Portuguesa de 1820”, vol. I de José de Arriaga, pode ler-se:
«A matemática, a astronomia, a física, a química, a geologia, a zoologia, finalmente, todas as ciências naturais foram soterradas na mais profunda ignorância pelos da seita negra, que as condenaram como inimigas da religião, e ciências perigosas. A verdadeira e sólida instrução foi posta de parte, com o pensamento reservado de se enfraquecerem as inteligências, e destas aceitarem mais facilmente o jogo, tornando-se dóceis e submissas a tudo quanto lhes ensinassem.»
José Hermano Saraiva, referindo-se à pedagogia seguida nos colégios dirigidos pelos Jesuítas, afirma na sua História “Concisa de Portugal” (p. 197):
«O objectivo era o de enraizar dogmas em que sinceramente se acreditava, não o de provocar críticas, porque o resultado das críticas é sempre o fim dos dogmas. O ensino não foi, pois, um treino para pensar, mas um alicerce para crer. E deu resultado, porque os portugueses do século XVII creram muito mas pensaram pouco.»
Estas e outras referências ao atraso provocado por jesuítas não nos faz esquecer os serviços extraordinários que alguns prestaram à cultura e à ciência, em especial à Matemática.
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O isolamento ainda recentemente foi denunciado como responsável pelo nosso atraso científico. No “Manifesto para a Ciência em Portugal”, de José Mariano Gago, publicado em Outubro de 1990, pode ler-se:
«O isolamento científico nacional, verdadeiro atavismo e fronteira do desenvolvimento português, exprime-se em várias frentes: a frente do isolamento do país em relação ao estrangeiro, aos grandes movimentos internacionais das ciências e das técnicas; a frente do isolamento da actividade científica na cultura e na sociedade, o seu enraizamento débil na sociedade, nas escolhas sociais e políticas, no ensino, nos meios de comunicação social, nas actividades económicas; e, por último, a frente do isolamento científico no próprio espaço nacional, onde a mobilidade é baixa, a colaboração interinstitucional pequena e o desequilíbrio regional no investimento para fins científicos se repercute negativamente em baixos índices do mobilização dos recursos humanos disponíveis e em fraquíssima congregação de esforços de diferentes parceiros sociais para o desenvolvimento de actividades científicas e técnicas à escala nacional, ou nas respectivas regiões.»
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No final da década de 30 e um pouco mais de metade da década de 40, deste nosso século XX, fez-se um esforço muito sério para romper com o isolamento português.
Assim, em 1936, ano em que António Aniceto Monteiro regressou a Lisboa, após o seu doutoramento em Paris, foi criado o Núcleo de Matemática, Física e Química, em Lisboa, por António Aniceto Monteiro, Manuel Valadares, Aurélio Marques da Silva, António da Silveira e Peres de Carvalho.
Em 1937, António Monteiro, Hugo Ribeiro, Silva Paulo, Manuel Zaluar Nunes e Ruy Luís Gomes fundaram a revista Portugaliae Mathemetica, destinada à publicação de trabalhos de trabalhos originais de Matemática
Em 1938, foi fundado, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, em resultado de uma proposta apresentada ao Conselho Escolar do Instituto, por Bento de Jesus Caraça, Aureliano de Mira Fernandes e Caetano Beirão da Veiga.
Bento Caraça foi Director do Centro, desde a sua fundação até à sua extinção em 1946.
No ano da fundação Zaluar Nunes iniciou um curso de Cálculo das Probabilidades e Estatística Matemática, que se prolongou pelo ano seguinte.
Em 1939-1940 realizou-se no Centro um conjunto de Colóquios sobre Seguros, com a colaboração dos actuários Rinaldo Feliz Campião, Noronha, Castanheira Nunes e outros.
Em 1941-1942, iniciou-se um curso livre de Introdução à Economia Matemática Clássica, a cargo do Assistente Augusto Sá da Costa.
O Centro colaborou no Congresso de Córdova, de 1944, promovido pela Associação Luso – Espanhola Para o Progresso das Ciências, onde foi unanimemente aprovada a proposta de Bento Caraça relativa à unificação e à coordenação dos estudos demográficos sobre Portugal e Espanha.
No artigo de A. Sá da Costa, intitulado “Um aspecto da acção escolar do Professor Bento Caraça”, publicado na Gazeta de Matemática, nº 37 -39 (1948), p. 5, pode ler-se:
«A primeira tentativa para a introdução sistemática em Portugal dos métodos da Econometria deve-se ao Professor Bento Caraça e a importância desta tentativa não fica diminuída, nem pelos seus próprios e inevitáveis defeitos que representarão, depois de atentamente examinados, preciosa experiência adquirida, nem pela forma como se lhe pôs termo forçado.»
E termina, dizendo que
«a obra do Professor Bento Caraça, neste domínio, surgirá em toda a sua verdadeira extensão e revelará todos os seus autênticos méritos, dos quais não serão os menores a profunda intenção nacional e o total desinteresse pessoal com que foi realizada.»
No mesmo ano de 1938, por iniciativa de António Monteiro, foi fundado o Seminário Matemático de Lisboa, que, em Novembro de 1939, passou a ser chamado Seminário de Análise Geral.
Em 1939, Bento Caraça, António Monteiro, Hugo Ribeiro, Silva Paulo e Manuel Zaluar Nunes fundaram a revista Gazeta de Matemática, jornal dos concorrentes ao exame de aptidão e dos estudantes de Matemática das Escolas Superiores.
Bento Caraça dirigiu sempre a Secção de Pedagogia da Gazeta, onde publicou vários artigos de Matemática e de História da Matemática.
Em Fevereiro de 1940, por iniciativa de António Monteiro, foi fundado o Centro de Estudos Matemáticos do Lisboa.
Em Fevereiro de 1942, por iniciativa de Ruy Luís Gomes, foi fundado o Centro de Estudos Matemáticos do Porto.
Em 12 de Dezembro de 1940, nasceu a Sociedade Portuguesa de Matemática. Nasceu já com um grande atraso, proveniente naturalmente do isolamento científico, político e social do nosso País
Na verdade, em 1690, fundou-se a Sociedade Matemática de Hamburgo, que começou por ser a Sociedade dos Amigos dos Números e das Artes e, posteriormente a Sociedade para a Divulgação das Ciências Matemáticas.
Outra organização antiga foi a Sociedade Matemática, fundada inicialmente como um círculo de discussões em Spitalfields, em Londres, em 1717, sendo absorvida pela Real Sociedade Astronómica, em 1845.
Organizada em 1864 a Sociedade Matemática de Moscovo como um círculo de entusiastas pela Matemática, foi estabelecida, numa base mais ampla, em 1867.
Em 1865, foi fundada a Sociedade Matemática de Londres, que cresceu e se tornou, dentro de pouco tempo, a Sociedade matemática nacional britânica.
Em 1872, foi fundada a Sociedade Matemática de França.
Em 1888, foi fundada a Sociedade Matemática de Nova Iorque, que, em 1894, se tornou a Sociedade Matemática Americana.
Em 1890, fundou-se a Sociedade Matemática Alemã.
O Círculo Matemático de Palermo foi fundado em 1884 e a União Matemática Italiana em 1922.
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Em 12 de Dezembro de 1940, pelas 22 horas, reuniu-se, na sala de Cálculo da Faculdade de Ciências de Lisboa, a Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Matemática (S.P.M.), para discussão e aprovação dos Estatutos e a eleição dos corpos gerentes.
Victor Hugo Duarte Lemos, Professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, presidiu à sessão, secretariado por José Duarte da Silva Paulo, Professor do Ensino Secundário.
A apresentação e justificação do projecto de Estatutos foi feita por José Francisco Ramos e Costa, professor da Faculdade de ciências de Lisboa, e, após a aprovação de emendas propostas por António Monteiro, os Estatutos foram aprovados.
Procedeu-se em seguida à eleição dos corpos gerentes tendo sido eleitos:
Presidente da Assembleia Geral – Mira Fernandes;
Secretários – Ferreira de Macedo e Ramos e Costa;
Presidente da Direcção – Pedro José da Cunha;
Vice-Presidente – Victor Hugo;
Secretário-Geral – António Monteiro;
Tesoureiro – Zaluar Nunes;
1º Secretário – Maria Pilar Ribeiro;
2º Secretário – Augusto Sá da Costa;
Delegados à Associação Portuguesa para o Avanço da Ciência – Bento Caraça e Francisco Leite Pinto
Em 20 de Março de 1943 processou-se a 2ª eleição dos corpos gerentes da S.P.M. e Bento Caraça foi eleito Secretário-Geral da Direcção e Delegado à Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências.
Mira Fernandes foi eleito Presidente da Direcção, mas comunicou que lhe era impossível aceitar o cargo, de modo que se tornou necessário proceder a nova eleição e, então, Bento Caraça foi eleito para a Presidência da Direcção.
Em todas as outras eleições que se processaram durante a sua vida, Bento Caraça foi sempre eleito Delegado à Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências e houve sempre uma outra tarefa que ele desempenhou – a de presidir à Comissão Pedagógica da S.P.M.
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Bento Caraça tinha um conceito de cultura que muito o ajudava no desempenho das suas funções de professor, nas suas funções de Director do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, nas funções que desempenhou na S.P.M. e na sua convivência com colegas e não colegas, com estudantes e não estudantes. Numa palestra que fez na Universidade Popular de Setúbal, em 22 de Março de 1931, Bento Caraça declarou:
«Eduquemos e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade – o reconhecimento a todos do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas e materiais. Assim, cultura e liberdade identificam-se – sem cultura não pode haver liberdade, sem liberdade não pode haver cultura. Deve ainda a cultura tender ao desenvolvimento do espírito de solidariedade. Não apenas solidariedade de cada um com os da sua família, da sua aldeia ou da sua pátria – solidariedade do homem com todos os outros homens de todo o mundo.
Este internacionalismo não significa de modo nenhum a destruição da pátria, antes pelo contrário, implica a sua consolidação e o seu alargamento a todas a nacionalidades – a formação da pátria humana. O coração do homem é grande e nele cabe bem o amor da sua nacionalidade ao lado do amor de toda humanidade.»
Uma declaração semelhante, acerca do conceito de cultura foi feita uns anos mais tarde, em 11 de Junho de 1931, pelo grande físico francês Paul Langevin, na conferência feita no Museu Pedagógico, sob os auspícios da Sociedade Francesa de Pedagogia. A conferência intitulava-se “Contribuição do Ensino das Ciências Físicas para a Cultura Geral”. Langevin declarou o seguinte:
«(…) a cultura geral é o que permite ao indivíduo sentir plenamente a solidariedade com os outros homens, no espaço e no tempo, tanto da sua geração como das gerações que o precederam e das virão depois. Ser culto é, portanto, ter recebido e desenvolver constantemente uma iniciação nas diferentes formas de actividade humana, independentemente das que correspondem à profissão, de maneira a poder entrar largamente em contacto, em comunhão com os outros homens.»
Em várias outras conferências, Bento Caraça, em Portugal e Paul Langevin em França trataram o tema “Cultura”.
Por exemplo, Bento Caraça, na conferência intitulada “A Cultura Integral do Indivíduo – Problema Central do Nosso Tempo”, realizada na União Cultural “Mocidade Livre”, em 25 de Maio de 1933, afirmou:
«A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade.
E para atingir esse cume elevado, acessível a todo o homem, como homem, e não apenas a uma classe ou grupo, não há sacrifício que não mereça fazer-se, não há canseira que deva evitar-se. A pureza que se respeita no alto compensa bem a fadiga da ladeira.
Condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura – que ele seja economicamente independente. Consequência – o problema económico é, de todos, aquele que tem de ser resolvido em primeiro lugar. Tudo aquilo que for empreendido sem a resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou duma tentativa ingénua, com vaga tinta filantrópica, destinada a perder-se na impotência, ou de uma mão cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos.»
E Paul Langevin, na conferência intitulada “O Problema da Cultura Geral”, pronunciada no Congresso de Nice em 1932 e publicada por “Pour l’ Ere Nouvelle” em Outubro de 1932, diz a certa altura:
«(…) a verdadeira cultura geral é a que abre o homem a tudo o que não se limite a ele próprio, a tudo o que ultrapasse o círculo estreito da sua especialidade.
Aquilo a que aspiramos sob o nome de cultura viva e humana, é a consciência dos vínculos recíprocos entre as diversas actividades passadas e presentes, para preparar o futuro, do parentesco dos espíritos e da fraternidade das obras, é aquilo que dá sentido tão vasto como a própria sociedade ao menor dos esforços, um significado humano à actividade mais humilde. Compreender os outros, saber sair de si e do seu egoísmo para se colocar no ponto de vista dos outros, apreender as suas necessidades, colaborar na sua tarefa como numa obra comum não será um dos aspectos essenciais da vida social e moral? Essa virtude da humanidade não deveria ser o produto natural e principal das “humanidades”, se querem merecer tal nome?
*
É conhecida uma declaração de um dirigente nazi no sentido de que quando alguém lhe falava em cultura, ele puxava logo pela pistola.
O comportamento de dirigentes fascistas com respeito à cultura, quer se trate de alemães, italianos ou portugueses, é essencialmente o mesmo: puxando ou não puxando pela pistola, é um comportamento hostil.
Em todos os países onde o fascismo alcançou o poder, instalou-se a violência e desencadeou-se uma onda de perseguições contra professores, sobretudo contra aqueles que entendem que é seu dever ajudar os alunos a adquirir espírito crítico e autonomia mental. Ora os governantes fascistas não estão interessados em que os jovens adquiram espírito crítico e autonomia mental.
Como Evry Schatzman escreveu em 1971 (ver “La Sciènce Menaceé”):
«um ensino da ciência que não ensina a pensar, não é um ensino da ciência, é um ensino da submissão.»;
e foi um ensino da submissão o tipo de ensino que o fascismo consentiu.
No livro de Victor Farias, intitulado “Heidegger e o Nazismo”, p.120, alude-se a uma conversa, havida em Junho de 1933, entre Karl Jaspers (que estudou direito em Heidelberg e Gottingen) e Martin Heidegger (filósofo alemão, professor universitário e reitor da Universidade de Freiberg). A certa altura, Jarpers perguntou:
«Como pode V. pensar que um homem tão inculto como Hitler pode governar a Alemanha?
E o fervoroso nazi Heidegger respondeu:
«A cultura não tem importância!»
Esta resposta de um reitor de uma universidade dá bem uma ideia do respeito que a ciência e a cultura mereciam aos fervorosos nazis.
O que os nazis pretendiam fazer no campo da educação da juventude está bem patente na declaração que Hitler fez ao antigo Presidente do Senado de Dantzig, Hermann Rauschnigg:
«Eu quero uma juventude brutal, imperiosa, impávida e cruel.» (“Les Fascismes”, de Henri Michel, nº 1683, da Colecção “Que sais-je?”, p. 66)
O reitor, para quem “a cultura não tem importâncias”, proclamou num discurso aos estudantes:
«Não sejam os princípios e as “ideias” as regras da vossa existência.»O próprio Fuhrer, e só ele, é a realidade alemã de hoje e do futuro, é a sua lei.»
Em Outubro de 1939, as Universidades alemãs, com excepção das de Berlim, Munique, Iena e Viena, estavam encerradas. Foram 22 as universidades alemãs encerradas pelos nazis.
O desrespeito de Hitler pela palavra dada, a falta de consideração de Hitler pelos trabalhadores estão bem patentes no que se passou nos dias 1 e 2 de Maio do ano em que Hitler alcançou o poder. No dia 1 de Maio de 1933, foi organizada em Berlim uma primeira grande Festa do Trabalho. Hitler apresentou-se nessa Festa como defensor dos operários. Exactamente no dia seguinte, são suprimidos todos os sindicatos e os seus bens confiscados.
Estes e muitos outros exemplos de Hitler foram admirados e seguidos ou imitados, com mais ou menos rigor, pelo fascismo itsaliano e pelo fascismo português.
No livro intitulado “Mussolini et le fascisme”, de Paul Guichonnet [?], nº 1225 da colecção “Que sais-je?”, pode ler-se (p. 96)
«A imitação mais deplorável do nazismo foi a partir de Janeiro de 1938, a instauração do racismo e do anti-semitismo. Com o apoio de universitários complacentes, um “manifesto de defesa da raça” foi difundido, em Julho, exaltando a pureza do tipo físico italiano, imutável desde há mil anos e que devia ser preservado da sujeira. Foi seguido da criação do “Conselho Superior para a Demografia e a Raça”. Em Agosto, o regime começou a perseguir os judeus e a minoria israelita, enraizada desde há séculos (…). Apontar os judeus à reprovação pública e aos massacres perpetrados por ocasião da ocupação alemã e colocou uma marca de infâmia num regime que se comprazia em se apresentar como arauto da cultura e da civilização.
Muitos cientistas italianos foram expulsos das universidades, na sequência da legislação racista feita à semelhança da legislação e práticas alemãs.
Em Portugal, a propaganda do analfabetismo e as acções contra os professores começaram logo a seguir ao 28 de Maio e agravaram-se depois, quando Salazar assumiu a chefia do governo.
Logo em 1926 foi instituída a censura à imprensa e logo em 1926-1927, foram presas e deportadas para o Ultramar, várias centenas de pessoas.
Manuel Múrias, num artigo publicado no jornal “A Voz”, escreveu:
«E cedo ou tarde, os programas de instrução primária hão-de ficar reduzidos às matérias que lhes são essenciais: ler, escrever e contar, correctamente. Isto é essencial; o resto é acessório.» (citado em “Educação Nacional”, de 16 de Junho de 1929)
João Ameal, autor de uma “História de Portugal”, proclamou:
«Portugal não precisa de escolas (…) Ensinar o povo a ler é corromper oatavismo da raça.»
Alfredo Pimenta escreve o seguinte no jornal “A Voz”:
«Ensinar o povo português a ler e a escrever para tomar conhecimento das doutrinas corrosivas de panfletários sem escrúpulos, ou de facécias mal cheirosas que no seu beco escuro vomita todos os dias qualquer garoto da vida airada ou das mentiras criminosas dos foliculários políticos – é inadmissível. Logo, concluo eu: para a péssima educação que possui e para a natureza da educação que lhe vão dar – o povo português já sabe demais (…).»
Virgínia de Castro e Almeida, escritora, que se dedica também a literatura infantil, conforme pode ler-se na “História do Ensino em Portugal”, de Rómulo de Carvalho,
«(…) considerando que existiam então [em 1927] 75 por cento de analfabetos, dizia no jornal “O Século”, que “A parte mais linda, mais forte e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos”. Em alusão aos rurais que aprenderam as primeiras letras, pergunta a escritora e responde: Que vantagens foram buscar à escola? Nenhumas. Nada ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esquecem as letras e voltam à enxada.»
As opiniões destes aderentes do Estado Novo e de outros que aqui não citamos mostram até onde podiam ir aqueles para quem “cultura” não se identificava com “liberdade”.
O chefe do Estado Novo dizia que “ler, escrever e contar é suficiente para a maioria dos portugueses”.
Em 1937, são extintas as escolas oficiais infantis; desde modo o ensino infantil passou a ser privilégio da classe endinheirada.
Em 1936, são escerradas as Escolas Normais, que só serão reabertas em 1942. Numa altura em que havias mais de 50% de analfabetos, o encerramento das escolas de formação de professores primários, juntamente com a criação dos chamados postos escolares, onde a escolaridade obrigatória é reduzida de 4 para 3 anos, significa protecção oficial ao analfabetismo.
A expulsão de professores dos vários graus de ensino, a deficiência de meios pedagógicos em muitas das escolas existentes, as restrições à independência mental dos professores, a deficiência de meios materiais que atinge tantos profissionais do ensino, as restrições impostas à liberdade de associação dos professores e à liberdade de associação dos estudantes, tudo isto concorreu para desprestigiar o trabalho dos professores e o trabalho dos estudantes.
Muitos professores afastados compulsivamente das suas funções de ensino e investigação tiveram de mudar de profissão; outros viram-se forçados a aceitar convites de escolas estrangeiras para não deixar de ensinar e investigar.
Em 7 de Outubro de 1946, o Professor Bento de Jesus Caraça e também o Professor Mário de Azevedo Gomes foram demitidos pelo fascismo salazarista, a pretexto de um documento que ambos assinaram na qualidade de membros da Comissão Central do “Movimento de Unidade Democrática”, onde se entendia que o nosso país, ainda sob um regime fascista, não tinha condições para ingressar na ONU, organização promovida precisamente pelas nações vitoriosas na 2ª Guerra Mundial, em que o fascismo foi derrotado.
Em 25 de Junho de 1948, faleceu Bento de Jesus Caraça. Para além da colaboração que deixou nas revistas Técnica, Gazeta de Matemática, Seara Nova e Vértice e nos jornais O Globo, O Diabo e A Liberdade, das conferências As Universidades Populares e a Cultura, A vida e obra de Evaristo Galois, A Cultura Integral do Indivíduo – Problema Central do nosso Tempo, Gaileu Galilei, Valor Científico e Valor Moral da sua Obra, Escola Única, A Arte e a Cultura Popular, Rabinbanath Tagore, Algumas Reflexões sobre a Arte, Aspectos do Problema Cultural Português, para além dos trabalhos matemáticos que deixou, Interpolação e Integração Numéricas, Lições de álgebra e Análise, Cálculo Vectorial, Conceitos Fundamentais da Matemática, para além de vários Outros Escritos, tais como A Luta Contra a Guerra, O Único Remédio, Crepúsculo da Europa, Crítica Científica, A Evolução da Física, Abel e Galois, Humanismo e Humanismo e Humanidades, etc., etc., para além de tudo isto – que é muito! – bento de Jesus Caraça, que tinha apenas 47 anos quando morreu, tinha ainda muito para dar à nossa Pátria, como militante da Cultura, como militante da Liberdade!
Permitam-me que termine aqui esta palestra, transcrevendo a parte final de um artigo do Professor Ruy Luís Gomes, publicado na Gazeta de Matemática, nº 37-38 (1948), intitulado “Bento Caraça, Grande Educador”:
«Alinhando com aqueles que pretendem transformar as nossas Universidades em Centros de Investigação e verdadeiras escolas de trabalho, escolheu como primeiro valor, no domínio da sua actividade de professor, a subordinação dos seus interesses imediatos a um interesse superior – o da preparação profissional da juventude.
E sacrificando tudo, desde a cátedra, de que foi afastado, até às exigências de uma saúde precária aos grandes valores morais – inteireza de carácter, sentimento de solidariedade e coerência de princípios – deu-nos a todos a melhor lição da sua vida.
O seu exemplo pertence ao património moral da nossa Pátria. O povo português nunca o esquecerá!»
(Palestra feita em 8/3/96, na Escola Secundária Oliveira Martins)
José Morgado,
Centro de Matemática da
Faculdade de Ciências do Porto
sexta-feira, 4 de abril de 2008
quinta-feira, 3 de abril de 2008
Homenagem aos Professores Portugueses em Recife
NOTA - Depois desta homenagem, a Universidade do Porto também promoveu uma (pequena) homenagem ao Professor José Morgado.
terça-feira, 1 de abril de 2008
Cultura e Revolução
(Intervenção no
Palácio de Cristal
24 – 11 – 1978)
Amigos!
Ao recordarmos o que foram a vida e a obra de Bento de Jesus Caraça, fomos naturalmente levados a pensar na vida e na obra do físico Paul Langevin.
É verdade que há apreciável diferença, quantitativa e qualitativa, entre a produção científica de Paul Langevin e a produção científica de Bento Caraça – o que bem se compreende, se se tiver em conta a enormíssima diferença entre o meio científico francês e o meio científico português. As oportunidades que um e outro meio oferecem a quem pretenda seguirem pelo caminho da investigação são muitíssimo desiguais.
No entanto, sob muitos outros aspectos, as vidas dos dois grandes cidadãos, o físico francês Paul Langevin e o matemático português Bento Caraça, apresentam-se-nos como muito semelhantes.
Assim, ambos foram brilhantes professores que viveram apaixonadamente a sua profissão, ambos desenvolveram intensa acção cultural para além dos que foram seus alunos e para além das suas escolas, ambos pugnavam tenazmente pela democratização do ensino e da cultura, ambos foram destacados militantes antifascistas, ambos se dedicaram a cimentar a unidade de acção de todas as correntes antifascistas, ambos foram perseguidos e presos – Langevin, pela Gestapo e Bento Caraça, pela Pide – ambos, pelos seus actos e pelas suas palavras, se afirmaram sempre partidários da Paz entre os Povos, ambos lutaram persistentemente e abnegadamente pela libertação económica dos seus povos, ambos abraçaram a causa do socialismo.
Na verdade, ambos foram intelectuais comprometidos com a libertação dos seus povos, ambos tinham, fundamentalmente, o mesmo conceito de cultura.
Segundo Langevin, vai-se tornando cada dia mais claro que a unidade de todos os trabalhadores – quer manuais, quer intelectuais – é essencial à construção do mundo novo – mundo sem fome e sem guerra, mundo de justiça e de liberdade.
As diversas formas de actividade humana, manuais e espirituais, após uma separação de tantos séculos, voltam a encontrar-se por força da sua própria evolução e fecundam-se mutuamente e essa fecundação permitirá a libertação material e espiritual, permitirá uma vida melhor para todos.
Daqui nasce também, segundo Langevin, um sentimento de solidariedade entre todos os trabalhadores, daqui nasce um interesse comum a todos os trabalhadores, manuais e intelectuais, interesse que se confunde com o interesse mais profundo da espécie humana, a sua própria sobrevivência.
Ora, não há liberdade efectiva sem independência económica e a conquista da independência económica exige a utilização dos meios de acção concebidos pela ciência. Assim, os trabalhadores manuais, na luta pela sua libertação, na luta pela sua sobrevivência, não podem prescindir dos trabalhadores intelectuais.
Por outro lado, o desenvolvimento da ciência só é possível, utilizando-se os meios materiais criados pela técnica. Assim, os trabalhadores intelectuais, para o desenvolvimento do seu próprio trabalho, para a sua própria sobrevivência, não podem prescindir dos trabalhadores manuais.
A criação de tais meios materiais oferecidos pela técnica exige o recrutamento de muitos homens, exige o aproveitamento de todas as aptidões intelectuais, exige que o direito à educação não seja letra morta.
É ainda Langevin quem afirma que tanto a ciência como a técnica exigem formação intelectual, cada vez mais elevada, para todos os trabalhadores. A fecundação da acção pelo pensamento, da faculdade de actuar pela preocupação de compreender, é comum a todas as formas de actividade humana.
Estas ideias de Paul Langevin vêm expressas num artigo escrito para o jornal Vie Ouvrière, por ocasião do 1º de Maio de 1937.
Já antes, em 1931, Paul Langevin tinha afirmado que
«a cultura geral é aquilo que permite ao indivíduo sentir plenamente a sua solidariedade com os outros homens, no espaço e no tempo, com os homens da sua geração como com as geração que a precederam e com as gerações que virão depois. Ser culto é, portanto, ter recebido e desenvolver constantemente uma iniciação às diferentes formas de actividade humana, independentemente daquelas que correspondem à profissão, de maneira a poder estar amplamente em contacto, em comunhão com os outros homens.»
Afirmações semelhantes foram feitas repetidas vezes por Langevin, nomeadamente no 1º Congresso Internacional de Educadores, realizado em Nice, em 1932.
Estas ideias de solidariedade com os outros homens, tão bem sublinhada por Langevin a propósito do conceito de cultura, foi, pela mesma altura, posta em relevo, com toda a clareza, por Bento Caraça.
Com efeito, em 22 de Março de 1931, numa conferência realizada na Universidade Popular de Setúbal, Bento Caraça declarou:
«Deve ainda a cultura tender ao desenvolvimento do espírito de solidariedade. Não apenas de cada um com os da sua família, da sua aldeia ou da sua pátria – solidariedade do homem com os outros homens de todo o Mundo.»
E Bento Caraça acrescenta:
«Este internacionalismo não significa de modo algum a destruição da pátria, antes pelo contrário, implica a sua consolidação e o seu alargamento a todas as nacionalidades – a formação da pátria humana. O coração do homem é grande e nele cabe o amor da sua nacionalidade ao lado do amor de toda a humanidade.»
Nessa mesma conferência, Bento Caraça formula as perguntas:
«Quem deve ser detentor da cultura? A massa geral da humanidade ou parte dela?
Para responder a estas perguntas, Bento Caraça começa por observar que
«Esta questão põe-nos em frente do problema das elites e das castas e a experiência histórica ensina que sempre que um grupo se diferencia da massa geral da humanidade, por qualquer título, estabelecendo um monopólio de qualquer coisa – ideias, força ou dinheiro – fá-lo, não no interesse geral da massa, mas no seu próprio.»
Após algumas considerações sobre os principais tipos de castas – religiosas, capitalista e militares – Bento Caraça conclui condenando sem apelo
«a detenção da cultura como monopólio de uma elite»
e preconiza insistentemente que se deve promover
«a cultura de todos e isso é possível, porque ela não é inacessível à massa; o ser humano é indefinidamente aperfeiçoável e a cultura é exactamente a condição indispensável desse aperfeiçoamento progressivo e constante.»
E Bento Caraça prossegue:
«Compreendendo a cultura assim e não como um conjunto de ideias que estão escritas nos livros e que os estudantes têm que decorar não se sabe bem para quê, quais dever ser os seus objectivos e que formação mental deve procurar conseguir no homem?
Deve, em primeiro lugar, dar a cada homem a consciência integral da sua própria dignidade.»
A ideia de que o ser humano é indefinidamente aperfeiçoável, defendida por Karl Marx, para quem a cultura “compreende o máximo desenvolvimento das capacidades intelectuais, estéticas e materiais encontradas no homem”, foi, e é, como não podia deixar de acontecer, ferozmente combatida pelos fascistas, que negam o valor da ciência para a libertação humana.
Assim, segundo as próprias palavras de Mussolini,
«O fascismo repele o mito felicidade e do progresso indefinido … Ele não acredita na possibilidade da “felicidade sobre a terra”, como pretendia a literatura dos economistas do século XVIII»,
e, segundo as próprias palavras de Hitler,
«O homem não deve nunca cair no erro de acreditar que atingiu verdadeiramente a dignidade de senhor e dono da natureza.»
Enquanto que os fascistas, em Portugal, decretavam que “ler, escrever e contar é suficiente para a maioria dos portugueses” e que “o povo português … não sente a necessidade de saber ler”, e os fascistas do país vizinho chegavam ao ponto de proclamar “Morra a inteligência” e “Viva a morte!”.
Na Universidade Popular de Setúbal, Bento Caraça sintetizou:
«Cultura e liberdade identificam-se – sem cultura não pode haver liberdade, sem liberdade não pode haver cultura.»
Esta mesma ideia aparece em várias intervenções de Bento Caraça, nomeadamente na conferência “A Cultura Integral do Indivíduo – Problema Central do nosso Tempo”, realizada em 25 de Maio de 1933, a convite da União Cultural “Mocidade Livre”, onde refere que
«A aquisição da cultura significa uma elevação constante, vivida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade.»
Em 10 de Abril de 1935, numa conferência intitulada “Escola Única”, realizada na Sociedade de Estudos Pedagógicos, Bento Caraça esclarece que
«O direito à cultura deve ser realmente reconhecido como direito inerente ao homem e não como um favor, mais ou menos disfarçado, da administração pública.»
E afirma ainda que
«O desenvolvimento harmónico da personalidade é incompatível com a sujeição a condições materiais precárias, ele pressupõe aquele salto do reino da necessidade para o reino da liberdade, de que falava Frederico Engels.»
Identificando cultura e liberdade, Bento Caraça, infatigável militante da cultura, foi naturalmente infatigável militante da liberdade: participou activamente nos movimentos contra os governos fascistas de Salazar, nos movimentos reivindicativos das liberdades democráticas, tendo sido um prestigiado dirigente do Movimento de Unidade Democrática; desenvolveu uma acção permanente em prol da unidade de todos os antifascistas, revelando uma capacidade invulgar para encontrar os pontos de acordo em posições aparentemente divergentes.
O seu pensamento e a sua acção são de uma coerência exemplar e mostram um optimismo esclarecido, proveniente da solidez da sua formação cultural e política, proveniente da profunda confiança que depositava no homem.
Dos confins da história, segundo palavras suas, caminham, ao encontro do homem de hoje, aquelas correntes fecundantes que hão-de fazer dele o homem novo, o criador da sociedade nova – a sociedade onde se extinguirão naturalmente as diferenças entre trabalhadores manuais e trabalhadores intelectuais, a sociedade onde não mais haverá exploração do homem pelo homem; numa palavra, a sociedade socialista.
Meus Amigos!
Bento Caraça tinha plena consciência de que a sobrevivência da espécie humana exige a acção comum, exige a solidariedade entre todos os trabalhadores, manuais e intelectuais – solidariedade que nasce da própria evolução das diversas formas de actividade humana, que aproximam uns dos outros, os trabalhadores manuais e os trabalhadores intelectuais; solidariedade que se reforça pelo reconhecimento de que os trabalhadores manuais e os trabalhadores intelectuais têm os mesmos inimigos.
Na verdade, os que negam aos operários e camponeses o direito ao ensino e à cultura, os que fecham as escolas aos filhos dos trabalhadores, são os mesmos que lançam milhares e milhares de professores para o desemprego; os que exploram a classe operária por conta do capitalismo, são os mesmos que negam créditos à investigação científica fundamental e querem reduzir a actividade científicaa meras aplicações tecnológicas de segunda classe; os que apoiam o fascismo – a ditadura terrorista dos monopólios, especialmente dirigida contra as classes trabalhadoras – são os mesmos que, de 1936 a 1942, mantiveram fechadas todas as escolas normais do País, são os mesmos que, em 1937, extinguiram as escolas oficiais infantis, são os mesmos que reduziram o ensino primário a um nível humilhante, são os mesmos que tantas vezes invadiram as escolas, perseguiram, espancaram e expulsaram professores e estudantes democratas, são os mesmos que instalaram uma censura omnipresente; os que agora aplaudem os assaltos às UCPs do Alentejo e o lançamento de cães polícias contra os trabalhadores alentejanos, são os mesmos que defendem a sujeição às imposições do imperialismo, são os mesmos que comandam a recuperação fascista no aparelho de Estado e nas Escolas
Por detrás daqueles que atentaram contra a vida de militantes operários, por detrás daqueles que incendiaram e destruíram sedes de sindicatos operários e sedes de partidos progressistas e por detrás daqueles que realizaram atentados bombistas contra a Faculdade de Economia do Porto, estão os mesmos indivíduos sem pátria e sem rosto ao serviço do fascismo e do imperialismo.
Bento Caraça tinha, de facto, plena consciência de que os trabalhadores intelectuais e os trabalhadores manuais têm os mesmos inimigos; tinha, de facto, plena consciência de que, actualmente, a classe autenticamente revolucionária é a classe operária, classe cuja particularidade é a de não ser exploradora, classe cujo interesse converge com o interesse do pleno desenvolvimento da ciência. Por isso, tal como fez Paul Langevin, Bento Caraça abraçou a causa do socialismo.
Se fosse vivo, Bento Caraça estaria, neste momento, ao lado de quantos defendem a Constituição da República, ao lado de quantos defendem as conquistas de Abril.
Amigos!
A defesa da Constituição da República, a defesa das conquistas de Abril exige a unidade de todos os antifascistas e, muito especialmente, a unidade de acção dos principais obreiros da Constituição – o Partido Socialista, o Partido Comunista e o Movimento Democrático Português.
Em homenagem a Bento Caraça, é necessário fazermos todos os esforços para que representantes dos partidos operários – do Partido Comunista e do Partido Socialista – e de outras organizações democráticas se reúnam à volta de uma mesa, discutam os principais problemas nacionais, com vistas à elaboração de um programa mínimo de acção comum para a defesa da Democracia, contra as tentativas de assalto ao poder, pela direita reaccionária.
Em homenagem a Bento Caraça, é necessário que o Partido Socialista e o Partido Comunista, na Assembleia de República, cheguem a um entendimento urgente para impedir que o Governo do País seja entregue a um grupo de direita, onde não faltam, talvez, reaccionários mais ou menos comprometidos com o fascismo. Não basta, como é evidente, reconhecer que o actual Governo é o mais conservador após o 25 de Abril. É preciso substituí-lo, quanto antes, por um governo autenticamente democrático, que defenda as conquistas de Abril.
Em homenagem a Bento Caraça, é preciso, com urgência, pôr cobro à violência desencadeada no Alentejo e defender a reforma agrária. É preciso impedir que a terra seja criminosamente tirada a quem a trabalha para ser entregue a quem nunca a trabalhou.
Em homenagem a Bento Caraça, é preciso denunciar o lançamento de cães polícias contra os trabalhadores alentejanos, como um crime a ser julgado, pelo menos, por um Tribunal de Opinião Pública, como um atentado grave contra os direitos do homem. É preciso denunciar o lançamento de cães policias contra os trabalhadores alentejanos, como uma prática fascista, como uma tentativa única de impor, contra as leis do País e contra a moral do nosso tempo, o “direito de propriedade sobre o homem”, como se estivéssemos no tempo dos regimes esclavagistas.
Amigos socialistas e amigos comunistas!
Em homenagem a Bento Caraça, vamos todos juntos participar na manifestação convocada pelos trabalhadores do Porto, para o 1º de Dezembro.
Em homenagem a Bento Caraça, vamos todos unir-nos para acabar com a recuperação fascista, onde quer que ela se manifeste, vamos todos unir-nos para defender a Constituição e abrir caminho ao exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.
Viva a Unidade Antifascista!
José Morgado