sábado, 8 de dezembro de 2007

Com a CDU, Abril Vencerá!

(Intervenção na reunião distrital da CDU, em 10/5/87, no Salão Nobre da Faculdade de Economia do Porto)

Amigos e Companheiros:

Estamos aqui reunidos para tratar da eleição de deputados à Assembleia da República, dissolvida após a aprovação, pela maioria democrática da Assembleia, de uma moção de censura ao governo Cavaco Silva.

Quem tinha poderes constitucionais para promover a formação de um governo democrático, de um governo maioritário com base nos partidos democráticos, resolveu manter o governo minoritário Cavaco Silva como governo de gestão e dissolver a Assembleia da República.

Por isso, a eleição vai processar-se, continuando o poder executivo ocupado pelo governo que a maioria dos deputados eleitos pelo Povo considerou indesejável. Tal governo é, como se sabe, um governo de um só partido, que aspira obter, na próxima eleição, maioria absoluta, embora, pelo sim pelo não, defende que lhe deve ser entregue o encargo de formar governo, desde que consiga aquilo a que tem chamado “maioria relativa”; isto é, o partido governamental propõe-se, no caso de não obter maioria absoluta, formar outro governo minoritário.

Tudo se passa como se, ao aprovar a moção de censura ao governo Cavaco Silva, a Assembleia da República tivesse exorbitado das suas atribuições, tivesse algo pelo qual devesse ser repreendida e, para o castigo ser mais duro e humilhante, se encarregasse o governo rejeitado de aplicar a reprimenda!

Não podemos deixar de apontar como politicamente errada a decisão de dissolver a Assembleia da República, erro agravado ainda pela manutenção do governo censurado, tanto mais que se sabe perfeitamente não se poder contar com qualquer garantia de isenção por parte do governo que mais conflitos arranjou com a Assembleia da República, do governo que sempre revelou maior incapacidade de diálogo e mais arrogância, talvez na esperança de fazer esquecer o seu carácter minoritário e encobrir a sua incompetência para resolver os mais urgentes problemas nacionais.

Mas, embora apontando como errada tal decisão, não vamos consumir o nosso tempo em escalpelizar esse erro, até porque não contestamos o direito constitucional de quem o praticou; apenas contestamos – isso, sim! – que a decisão tomada (coincidente com o desejo anteriormente expresso, com tanta veemência, pelo governo censurado) seja uma consequência necessária de qualquer disposição constitucional.

Amigos!

Constituiu-se Há dias a COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICA UNITÁRIA, a CDU.

Pela sua composição, podemos dizer que a CDU já nasceu adulta. Com efeito continua, nas condições presentes, as tradições de unidade das lutas democráticas de há muitos, muitos anos.

Está na CDU, o Partido Comunista Português, com a sua longa experiência de lutas unitárias desencadeadas em circunstâncias extraordinariamente difíceis, com quase meio século de vida activa nas condições da mais feroz clandestinidade, partido que sempre lutou, antes e depois do 25 de Abril, pela convergência de esforços de democratas das mais diversas tendências, para defender e realizar as grandes esperanças que Abril trouxe ao Povo Português.

O Partido Comunista Português, com os seus 66 anos de luta, a sua determinação, a sua capacidade de mobilização popular, a sua defesa permanente da Democracia e a sua oposição frontal ao imperialismo, tornou-se uma associação que não pertence exclusivamente aos seus membros; pela sua actividade persistente em defesa das classes trabalhadoras, pela sua acção em prol da Democracia, da Paz e da Independência Nacional, o Partido Comunista Português tornou-se património do Povo Português.

Está Também na CDU o jovem partido “Os Verdes”, que, em defesa da vida, luta pela preservação do ambiente e contra a poluição e degradação da natureza; defendem valores que só podem ser salvaguardados mediante uma política de desarmamento, uma política de paz e cooperação entre os povos, uma política de respeito pelas liberdades democráticas, e, na defesa de tais valores, tem sabido despertar o interesse e simpatia de importantes sectores populacionais.

Estão na CDU, prestigiosos lutadores democratas com largos anos de experiência forjada na dureza do combate contra o fascismo e, após o 25 de Abril, nas fileiras partidárias do MDP; sempre defenderam a unidade das forças democráticas para a realização dos ideais de Abril, mas em face da mudança de orientação recentemente operada pela direcção do MDP, sentiram-se obrigados a retirar-se desse partido e formaram a associação “Intervenção Democrática”, precisamente para poderem continuar a luta unitária pela consolidação das conquistas de Abril.

Estão na CDU, muitos outros democratas sem partido, que sempre estiveram e estarão ao lado do movimento unitário “pela República e pela Liberdade, pelo Pão e pelo Trabalho, pela Independência Nacional e pela Paz”, que sempre estarão contra tudo o que prejudique o fortalecimento desse movimento unitário.

Em suma, a CDU é um movimento amplo, aberto, pluralista, portador de uma rica experiência de luta e trabalho unitário, que sente a obrigação de estudar cuidadosamente os problemas que mais afectam as populações e a obrigação de, pelas formas mais diversificadas, contribuir para a sua resolução.

Assim, a CDU dispõe, à partida, de elementos excelentes para uma bela participação na luta eleitoral que se avizinha.

É claro que isto não significa que tal luta irá ser fácil.

É preciso contar com a tortuosidade política daqueles que sempre foram e são contra a Revolução dos Cravos; dos que, a pretexto de uma revisão constitucional, pretendem desfigurar a Constituição da República; dos que querem, acima de tudo, a reprivatização das empresas nacionalizadas, dos que pretendem aquilo a que chamam a flexibilização das leis laborais a fim de, impunemente, despedirem trabalhadores nas mais variadas circunstâncias, não pagarem atempadamente os seus salários, aumentarem a duração da jornada de trabalho, recorrem ainda mais à exploração da mão de obra infantil, diminuírem a força do movimento sindical; dos que são contra o Serviço Nacional de Saúde; dos que são contra a democratização do ensino; dos que tudo têm feito para liquidar a Reforma Agrária e outras conquistas da Revolução; dos que estão comprometidos com a política armamentista; dos que não sentem escrúpulos na utilização do aparelho de Estado para fins eleitoralistas.

É preciso ainda contar com as debilidades políticas de alguns sectores do campo democrático; é preciso contar com o sectarismo, a miopia política, o egoísmo partidário de alguns influentes do campo democrático, que se revelam incapazes de compreender a necessidade da convergência da acção democrática. Tais elementos agem como se o que estivesse em causa fosse a escolha de A ou de B para primeiro-ministro e não a vitória ou a destruição da Democracia; defendem até a realização de um “pacto de regime”, com os adversários de Abril, para instituírem o que chama “alternância” no governo, ao mesmo tempo que apregoam que não negociarão com as forças políticas que sempre defenderam Abril; advogam e proclamam a “bipolarização”, como se pensamento e a acção política se pudessem à sentença “quem não é por nós é contra nós”, em resumo, à relação “amigo – adversário”.

Ora esta ideia simplista comporta seus perigos.

Basta ter em atenção que a ideia de definir a política como a relação “amigo – adversário” foi expressa por Carl Schimitt, no seu livro intitulado “O Conceito do Político”, publicado em 1932.

Mas quem foi Carl Schimitt?

Carl Schmitt foi um jurista alemão, nascido em 1888, que escreveu e publicou livros como “Romantismo Político” (1919), onde ressuscitou o pensamento político de reaccionários como Juan Donoso-Cortés, marquês de Valdegamas, autor de “Ensaio sobre o catolicismo, o liberalismo e socialismo” (onde denunciava a razão como inimiga da verdade) e outros escritos ao serviço dos reaccionários espanhóis do século Passado [XIX].

Carl Schimitt escreveu e publicou livros como “Teologia Política” (1922), onde procurou estabelecer certas relações entre sentimentos religiosos e ideais políticos com o objectivo de manipular os sentimentos religiosos para combater ideais políticos progressistas, passando a defender abertamente o golpe de estado contra a República alemã.

Tornou-se consultor jurídico de Hindenburg – o mesmo Hindenburg, presidente da República Alemã, que, em 10 de Outubro de 1931, recebeu Hitler e Goering, manifestando-lhes o desejo de que os nazis aceitassem participar no governo Bruning que então governava a Alemanha; o mesmo Hindenburg que, em 30 de Janeiro de 1933, encarregou Hitler de formar governo, em conjunto com os chamados “nacionais – alemães” ; o mesmo Hindenburg que, pouco depois, procedeu à dissolução do Parlamento, cedendo ao desejo de Hitler que esperava em nova eleição obter maioria absoluta (o que apesar de tudo, não conseguiu!), enfim, o mesmo Hindenburg que tudo fezpara facilitar a tomada do poder pelos nazis.

Carl Schimitt tornou-se consultor jurídico do próprio Hitler, foi um propagandista do totalitarismo e influenciou a doutrina do golpe de Estado de 1937 no Brasil, golpe de que resultou a instalação, no Brasil, de uma ditadura fascista

Este foi o caminho seguido pelo defensor nº 1 da bipolarização, pelo defensor nº 1 da redução do pensamento político à relação “amigo – adversário”. A isto pode conduzir a doutrina da bipolarização, da alternância negociada mediante um pacto de regime estabelecido com os adversários de Abril, que alguns andam por aí proclamando, levianamente, sem atender aos ensinamentos da História.

Estas e outras dificuldades, embora grandes, podem ser vencidas – e sê-lo-ão!

A acção unitária anteriormente desenvolvida pelos democratas conseguiu, além de várias outras vitórias, derrotar o candidato da direita Presidência da República, Soares Carneiro; conseguiu derrotar, mais recentemente, o outro candidato da direita à Presidência de República, Freitas do Amaral; conseguiu anular muitas das medidas anti – democráticas do governo Cavaco Silva e conseguiu aprovar, por grande maioria, uma moção de censura ao governo Cavaco Silva, que, em consequência disso, há já mais de mês, devia, por quem de direito, ter sido posto na rua.

Pois bem, a CDU consciente das dificuldades e não temendo enfrentá-las, empenhar-se-á numa grande campanha de esclarecimento e mobilização popular para conseguir que, em 19 de Julho, a direita seja derrotada; para conseguir que a acção convergente dos partidos democráticos conduza à formação de um governo democrático, concretizando-se assim as esperanças suscitadas pela actuação da Assembleia da República, durante os últimos meses; para conseguir ainda que a CDU obtenha uma representação parlamentar condigna, não só em qualidade, mas também em quantidade, de modo a constituir uma sólida garantia de que a Constituição da República será cumprida e não será desfigurada por uma revisão abusiva. Com tal representação parlamentar, as conquistas de Abril serão mantidas, as esperanças de Abril serão realizadas.

Amigos! Pelo empenhamento, pela dedicação, pela seriedade da CDU, ABRIL VENCERÁ!

Viva a CDU!

José Morgado