quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Carta ao Coordenador da publicação "História de Portugal em Datas"

Carta ao Dr. António Simões Rodrigues,

Coordenador da publicação

“História de Portugal em Datas”,

Do Círculo de Leitores.

Permita-me V. Ex. ª que chame a sua atenção para uma inexactidão contida na página 353 do livro “História de Portugal em Datas”. Afirma-se nessa página que, em 19 de Agosto de 1954,

«Vários dirigentes do MND, entre os quais se encontrava Rui Luís Gomes, são detidos pela PIDE, julgados no Tribunal Plenário do Porto e condenados por “traição à Pátria”.

O seu “crime” foi o de terem defendido publicamente a necessidade de o governo português estabelecer negociações com a União Indiana a propósito dos territórios coloniais que Portugal mantinha no subcontinente indiano.

Dos cinco dirigentes do MND que então foram presos pela Pide e cerca de dez meses depois, julgados, e condenados pelo Tribunal Plenário do Porto, apenas dois estão ainda vivos: a Engenheira Virgínia Moura e o signatário desta carta.

É verdade que fomos acusados de “traição à Pátria” e de vários outros crimes, a pretexto de um documento assinado pelos membros da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático, Professor Ruy Luís Gomes, Engenheira Virgínia Moura, José Morgado e Operário Albertino Macedo, e enviado aos jornais com o pedido de publicação. Nesse documento, manifestávamos a nossa total discordância da política colonial do governo de Salazar, defendíamos as liberdades democráticas e a autodeterminação dos povos e preconizávamos que o diferendo surgido com a União Indiana fosse resolvido por negociações.

Os jornais, então sujeitos à Censura imposta pelo governo da ditadura, não publicaram o nosso documento e nós fomos encarcerado pela Pide e acusados de vários “crimes”, incluindo o de “traição à Pátria”.

No relatório que enviou a Tribunal, a Pide lamentava que já não houvesse pena de morte em Portugal, porque, se ainda houvesse ela deveria ser-nos aplicada.

O representante do Ministério Público de então não podia, evidentemente, pedir, para nós a pena de morte, mas parece ter feito o que lhe era possível para que nos fosse aplicada uma pena que os partidários da ditadura salazarista pudessem considerar “exemplar”: pronunciou-se por uma pena de cerca de 50 anos de prisão, seguidos ainda de medidas de segurança com internamento por períodos de um a três anos. Por outras palavras, pronunciou-se, na prática, por uma prisão perpétua, inclusivamente para os nossos próprios cadáveres pois parece que ele os considerava perigosos para a sobrevivência da ditadura! …

Mas a onda de protestos populares que a nossa prisão provocou por todo o País, onda de protestos que nem a Pide, nem a Legião, nem todas as forças repressivas juntas conseguiram impedir, acrescida da prova testemunhal produzida em Tribunal por democratas de todas as correntes políticas então existentes – o que constituiu um magnífico exemplo de Unidade de acção Contra o Fascismo – não permitiu que o Tribunal mantivesse a infame acusação de “traição à Pátria”, nem as outras acusações a que correspondesse pena de prisão maior.

documento foram condenados em 24 meses de prisão correccional; o arquitecto Lobão Vital, que fazia parte do MND, mas não era signatário do documento, foi condenado em 10 meses de prisão correccional.

Várias vezes presos e julgados, nunca fomos condenados por traição à Pátria.

Assim, certamente por lapso, a afirmação contida na página 353 da “História de Portugal em Datas”, atrás transcrita, é muito incorrecta e injusta e, naturalmente, V. Ex.ª a procurará corrigir, na oportunidade de uma nova edição, se não puder fazê-lo antes.

E talvez, V. Ex.ª possa incluir outras correcções menores, como, por exemplo, as seguintes:

- Na página 348, verbete [Abril], onde está MDN, devia estar MND (Movimento Nacional Democrático, que foi fundado não em Abril, mas logo após o acto eleitoral de Fevereiro de 1949, na sequência de uma moção lida e aprovada por aclamação, na última sessão de propaganda da Candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, realizada em Lisboa, na Voz do Operário, em 16 de Fevereiro de 1949).

-Na página 349, verbete [Junho], onde está MDN, devia estar MND

-Na página 350, verbete [3 de Julho], em que se afirma que,

«No fim de uma sessão eleitoral realizada em Rio Tinto, Rui Luís Gomes e outros elementos da sua candidatura são agredidos “por apoiantes do Estado Novo” (agentes da Pide e membros da LP)»,

Devia ter sido escrito que, após a interrupção intempestiva da sessão eleitoral da Candidatura do Professor Ruy Luís Gomes à Presidência da República, pelo representante do Governador Civil do Porto, sessão que decorria com grande entusiasmo e civismo, no Cinema de Rio Tinto, já depois terem saído quase todas os que assistiram à sessão, quando o Candidato e alguns dos seus colaboradores aguardavam junto ao cinema os carros que os deviam conduzir ao Porto, uma força da Polícia de Segurança Pública, comandada pelo Capitão Nazaré investiu contra o Candidato e seus companheiros, agredindo-os à cacetada, pisando-os raivosamente depois de derrubados na escadaria do cinema e insultando-os grosseiramente.

Vários feridos, entre os quais Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, Lobão Vital e José Morgado, tiveram de ser conduzidos, por companheiros de luta, ao Hospital de Santo António, onde foram tratados com todo o carinho pelo pessoal de serviço.

- Na página 351m verbete [Fevereiro], onde se diz que,

«Diversos elementos da Comissão Central do MND são presos por terem participado nessa campanha» [contra o Pacto do Atlântico],

Devia dizer-se que

«diversos elementos do MND foram presos, na sequência da elaboração, publicação e distribuição de um documento assinado pela Comissão Central do Movimento Nacional Democrático, intitulado “Pacto de Paz e não Pacto do Atlântico”, onde defendiam uma política de colaboração entre os Povos, contra uma política de confrontação entre países de regimes diferentes.»

Com os melhores os melhores cumprimentos,

Porto, 27 de Dezembro de 1994

José Morgado

(segue-se a direcção)

NOTA: Que eu saiba, até hoje, nunca foi dada qualquer resposta a esta carta, nem foi feita qualquer correcção. Assim, as pessoas morrem deixa-se na história aquilo que o fascismo, com a sua polícia, os seus tribunais, o seu terror não conseguiu. Na altura em que esta obra foi publicada, teria sido fácil evitar as falsidades, erros ou imprecisões, desde que para tal houvesse vontade.

Paulo Morgado

1 comentário:

carlos disse...

o que quero dizer nada tem a haver com este artigo mas sim com o prof.
(que era sobrinho do meu avô)- e que não conheci, embora tenha ido ao seu funeral anonimamente em "pegarinhos", que ele considerava o centro do "universo";

-o "Zé", era de familias humildes;
- sua mãe (julgo que D. Mariana),passou dificuldades;
-os seus colegas, que como "gajas louras", só tinham vento na cachimónia!
-o "Zé", como disse usava muitas vezes as calças remendadas, pelo que era alvo de "chacota", dos seus colegas ricos...
-ao que ele respondia (com voz caracteristica):
VÓS RI-VOS DAS MINHAS CALÇAS E EU RIO-ME DAS VOSSAS NOTAS!