Intervenção num comício de Rio Tinto em 22/4/76
Há um ano estivemos aqui em Rio Tinto para solicitar o vosso apoio à Eng. Virgínia Moura e seus companheiros, para levarmos à Assembleia Constituinte deputados capazes de elaborar uma Constituição que consagrasse a vitória do povo sobre o fascismo, uma Constituição que incentivasse novos passos rumo ao Socialismo, uma Constituição que proclamasse e defendesse o direito do povo traçar o seu destino, uma Constituição, enfim, que fosse digna do Povo Português.
A Constituição foi finalmente elaborada, foi publicada e entra em vigor precisamente no próximo domingo, dia 25 de Abril de 1976.
Porque será que, nesta altura, dos 14 partidos que se apresentam às eleições, uns apoiam e outros não, a Constituição da República?
Porque será que alguns desses 14 partidos evitam até falar na Constituição?
Porque será que, entre os partidos que estiveram representados na Constituinte, houve quem votasse contra?
Porque será que alguns elementos de partidos que aprovaram a Constituição, se manifestaram contra disposições essenciais da Lei Fundamental do País?
Para entender o que se passa, para nos esclarecermos sobre o que está em jogo nestas eleições, para nos decidirmos sobre o que fazer, interessa naturalmente procurar responder a perguntas como estas e só estaremos em condições de responder conscientemente a tais perguntas, tomando contacto com aspectos fundamentais de nossa Constituição.
A nossa Constituição, Amigos, apesar de algumas limitações, é uma Constituição democrática que aponta para o socialismo.
Honra seja, pois, aos nossos deputados que souberam, vencendo inúmeras dificuldades, construir um poderoso instrumento de luta pela democracia e pelo socialismo.
Assim, logo no artigo 16, se diz que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados de harmonia com a declaração Universal dos Direitos do Homem.»
Ora, Amigos, talvez não se lembrem ou não saibam o que lhes vou contar: uma vez, na Avenida dos Aliados, houve uma manifestação, aí por 1950, desfeita à cacetada pelas várias polícias do regime fascista de Salazar e, em consequência disso, teve de ir para o hospital, banhado em sangue, o nosso querido Companheiro, Arquitecto Lobão Vital.
Foi sobre ele, mais do que sobre qualquer outro, que os fascistas mais descarregaram o seu ódio; e sabem porquê?
É que esse nosso amigo tinha, apertado contra o peito, o livro intitulado “Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
O antigo regime agredia quem defendesse a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Actualmente, a Constituição da República consagra essa Declaração no seu texto.
A Constituição dedica vários artigos aos direitos dos trabalhadores. Por exemplo, no seu artigo 53, declara-se que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade, religião ou ideologia, têm direito à retribuição do trabalho, à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, à prestação do trabalho em condições de higiene e segurança, ao repouso e aos lazares, ao descanso semanal e a férias pagas.
E atribui, no artigo 54, ao Estado a incumbência de assegurar as condições no trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito.
Pela primeira vez, os trabalhadores são objecto de preocupações especiais da lei Lei Fundamental do País.
No antigo regime, lembram-se como eram tratadas as comissões de trabalhadores? Quantas vezes foram perseguidas, espancados, arrastados para as cadeias e Tribunais Plenários!
Na nova Constituição, artigo 55, determina-se: «é direito dos trabalhadores criarem-se Comissões de Trabalhadores para a defesa dos seus interesses e intervenção democrática e intervenção democrática na vida da empresa visando o reforço da unidade das classes trabalhadoras e a sua mobilização para o processo revolucionário de construção do poder democrático dos trabalhadores.»
Os direitos dessas Comissões são consignados no artigo 56:
«a) Receber todas as informações necessárias ao exercício da sua actividade.
b) Exercer o controlo de gestão nas empresas
c) Intervir na organização das unidades produtivas.
d) Participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económicos e sociais que contemplam o respectivo sector.»
Compreendem, agora, Amigos, porque os partidos que defendem o grande capital estão contra a Constituição?
No artigo 57, que trata da liberdade sindical, preconiza-se que «as associações sindicais devem reger-se pelos princípios de organização e gestão democráticas, baseadas em eleições periódicas e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação e assente na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.»
E mais adianta: «as associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.»
Quer dizer, os sindicatos pertencem a quem de direito, os sindicatospertencem aos trabalhadores.
Estamos muito longe, Amigos, daquele tempo em que as direcções sindicais precisavam de ser homologadas pelo governo dos grandes patrões.
E também é importante, Amigos, notar que a Constituição defende a unidade das classes trabalhadoras e a sua independência face aos partidos, quer dizer, a Constituição não facilita as aspirações de alguns partidos virem a ter os seus sindicatozitos para manipular.
Além disso, nos seus artigos 59 e 60, a Constituição garante o direito à greve e proíbe o lock-out.
Por isso, é que os partidos do grande patronato não gostam … .
Os direitos da juventude também não são ignorados. Assim, no artigo 70, determina-se que os jovens, sobretudo os jovens trabalhadores, gozam de protecção especial para a efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, obrigando-se o Estado (artigos 73 e 74) a democratizar a educação e a cultura, a assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito e a estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino e estimular a formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadoras.
É claro agora, Amigos, porque é que os da alta burguesia e os restos da chamada nobreza convencidos de que o sangue não é vermelho, nem podem sequer ouvir falar na Constituição da República. É que o estímulo à formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadores é realmente uma disposição autenticamente revolucionária que os representantes dos capitalistas não podem aceitar.
Mas terão que aceitar!
A coisa não melhora para os reaccionários, quando a Constituição se ocupa dos Fundamentos da organização económico-social.
Assim, no artigo 80, proclama-se:
«A organização económico-social da República portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialista».
Que saudades não terão os reaccionários do tempo em que tudo isto era linguagem subversiva!
Mas há mais: os meios que a Constituição preconiza para o desenvolvimento das relações de produção socialista, são, nem mais nem menos que:
«a apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como os recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classes trabalhadoras.»
E na sequência disto, o artigo 83 garante:
«todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974
Isto significa, Amigos, que os que andam por aí a pregar contra as nacionalizações já feitas, estão contra a Constituição, estão ao serviço dos monopólios contra o povo e contra Lei Fundamental do País. Não podem, em hipótese alguma, receber o voto dos democratas conscientes.
Também não estão mais felizes os defensores dos grandes agrários, uma vez que, no artigo 96, a Constituição determina que:
«A reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista».
E no artigo 97 diz que a transferência de posse de terra para aqueles que a trabalham será obtida através da expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas, que serão entregues a pequenos agricultores, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores.
E tudo isto, ao mesmo tempo que, no artigo 99, salvaguarda os direitos dos pequenos e médios agricultores e os interesses dos emigrantes.
Por isso, é que os monopolistas e latifundiários e os seus porta-vozes – os representantes da direita – foram e são contrários à Constituição.
Por isso, se manifestam agora contra ela, aqueles que na Assembleia não puderam deixar de a aprovar, mas aprovaram-na talvez fazendo figas e de pé no ar…
Uns e outros procuram confundir os pequenos e médios agricultores( que eles sempre exploraram), procuram induzi-los a tomar posições contra aquilo que os defende – a Constituição da República Portuguesa.
Os monopolistas e latifundiários também já não podem, segundo a Constituição, contar com a polícia, como nos tempos de Salazar e Caetano, porque, segundo a Constituição, artigo 272, “a polícia tem por função defender a legalidade democrática e os direitos do cidadão”.
Bem, meus Amigos, parece que não será preciso dizer mais nada para concluirmos que a Constituição não só consagra conquistas populares como abre caminho a novas conquistas rumo ao socialismo.
Os trabalhadores e as suas comissões, as associações populares ganharam direitos de cidadãos e figuram repetidas vezes nas disposições da Lei Fundamental.
Os nossos deputados, os deputados dos grandes partidos operários, comunistas, socialistas e independentes, conseguiram dotar o país de uma Constituição democrática.
Merecem todos eles o nosso aplauso.
No entanto, a Constituição não se aplica por si mesmo, não se defende a si própria.
Precisamos nós de a defender!
E não podemos confiar que vão defendê-la os representantes do monopolistas e latifundiários, aqueles que votaram contra.
Não podemos confiar que vão defendê-la aqueles que já proclamaram a necessidade de alterar, que já se manifestam contra as nacionalizações, contra o controle operário, contra a reforma agrária.
Não, Amigos!
A Constituição, nas suas disposições mais progressistas, foi resultado da acção convergente dos deputados comunistas, socialistas e independentes.
É aos deputados comunistas e socialistas e aos deputados independentes que estão ao seu lado, que podemos confiar a sua defesa, do assalta que os fascistas, os capitalistas e seus aliados estão preparando.
Pois que outra coisa poderão eles fazer se não conspirar contra a Constituição que, no seu artigo 46, declara abertamente que não são consentidas organizações que perfilhem a ideologia fascista?
Por isso, é correcta a política que defende uma maioria de esquerda para governar o país.
Por isso, todos nós, partidários ou independentes devemos votar na esquerda.
Mas atenção, Amigos, não vamos perder nossos votos. Vamos votar em quem dá garantias de consolidar as conquistas da revolução e partir para novas conquistas. Não vamos votar no partido de quem já “decretou” que “a revolução acabou”, de quem “decretou” que “o PCP está cada vez mais pequeno”, de quem “decretou” “que vai governar sozinho”.
Vamos votar exactamente no grande partido da Resistência anti-fascista.
Vamos votar no PCP.
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